Começa hoje a contagem regressiva para aprovação, pela Câmara dos Deputados, da proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma do sistema de aposentadorias. Depois do barulho sem conteúdo promovido pelas bancadas de oposição, que agrediram os ouvidos das pessoas de bem com impropérios, desaforos e narrativas mentirosas, a maioria dos deputados parece decidida a aprovar a reforma nos próximos 10 dias.
Não é pouca coisa, considerando que os indispensáveis 308 votos foram obtidos e até superados sem que tivessem de ser “comprados”, como vinha se tornando rotina nos últimos anos. Assim como o uso continuado do cachimbo deixa a boca torta, o velho hábito de só conceder apoio a projetos do governo em troca de verbas e de cargos na administração parece ter viciado boa parte dos parlamentares. Mas essa página negativa pode estar sendo virada.
Por fim, prevaleceu o bom senso. Melhor: ficou demonstrado que o Congresso é menos ruim do que faz parecer a gritaria dos derrotados. A maior parte dos parlamentares foi capaz de ouvir as ruas e de distinguir a voz da maioria em meio ao berreiro dos defensores de privilégios. Uma coisa é fazer reparos a um projeto de tamanha importância, outra é sabotar sua tramitação, simplesmente porque não é seu partido que está no poder.
Pode não ser essa a reforma ideal, capaz de corrigir todas as distorções e injustiças do passado, assim como também não é a que vai abrir portas mais avançadas para uma seguridade social estável e independente do tesouro público. Não se deve alimentar a ilusão de que a reforma da Previdência terá o condão de trazer rapidamente de volta o milagre do crescimento econômico. Afinal, o estrago a ser corrigido tem o tamanho do desemprego e do subemprego que hoje assolam 23 milhões de brasileiros.
É fundamental entender o papel da ponte em relação ao caminho. Ele será longo e difícil; ela é curta, estreita e perigosa, mas imprescindível, posto que se trata do começo de tudo. Ultrapassá-la foi, portanto, uma vitória do bem a ser celebrada, pois vai permitir à nação – tão maltratada e subtraída – retomar as melhores práticas da administração pública e a confiança dos agentes capazes de promover o desenvolvimento do econômico.
UM BOM COMEÇO
Não faltam – como sempre – as aves do mau agouro. Mas, depois de vencidas as dificuldades para a superação dessa passagem, ficou a certeza de que a sociedade saiu mais madura e mais esclarecida do que tinha entrado no grande debate em torno da reforma da Previdência. A compreensão de sua urgência e das injustiças a serem corrigidas tornou-se senso comum. Ao contrário do que propagavam os arautos do atraso, a maioria da população entendeu que essa era uma questão de Estado, não de governo ou de grupos privilegiados de interesse.
É esse ambiente de envolvimento da sociedade e de forte disposição para mudanças que não pode ser perdido. Que o recesso parlamentar do meio do ano seja apenas uma pausa para a recarga das baterias e para o contato mais direto com as bases de cada congressista. O segundo semestre terá de ser ainda mais movimentado, já que o processo de reconstrução do país está apenas começando.
É hora de avançar com as reformas. No campo econômico, é urgente a revisão do sistema tributário, verdadeiro cipoal de leis, decretos e normas que a máquina burocrática dos três níveis do Estado brasileiro montou ao longo de décadas. Assim como nas aposentadorias, aqui também se acumularam distorções, injustiças e atrasos que precisam ser eliminados.
Essa reforma não será tarefa fácil. Além de poderosos interesses privados, as mudanças terão de envolver todas as unidades federativas, incluindo os municípios. Há um interessante projeto tramitando na Câmara, enquanto o governo prepara seu próprio texto. Nada impede a unificação das duas iniciativas para se ganhar tempo e melhor resultado final.
SEM PROPINAS
Igualmente saudável e não menos urgente é a aceleração do programa de privatizações de empresas federais e de concessões de serviços públicos à iniciativa privada. Uma das saídas mais rápidas para a criação de empregos e a movimentação setorial da economia é a transformação de nossa grave deficiência em infraestrutura econômica em oportunidade de investimentos.
Recentes iniciativas bem orientadas do governo em concessões de ferrovias e aeroportos demonstraram a existência de capitais nacionais e estrangeiros interessados.
No campo da microeconomia o governo não deveria esperar a reforma tributária para providenciar a desoneração da importação de máquinas e equipamentos, além de sistemas de informatização da produção. Algum alívio ao consumo também não fará mal, como a redução da taxa de juros e a liberação de parte do PIS/Pasep.
Basta que se trabalhe com transparência e segurança jurídica. Chega de propinas, roubalheira e espertezas. Esse tempo já passou e a sociedade está vigilante, pois entendeu a importância de enterrar de uma vez por todas o anacrônico e nefasto toma lá dá cá.