O governo deve anunciar esta semana a autorização para que trabalhadores saquem uma parcela antecipada das contas ativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Os valores ainda estão sendo definidos, mas os primeiros cálculos apontam para uma injeção de cerca de R$ 40 bilhões no consumo das famílias ao longo dos próximos cinco meses.
A medida é semelhante à que foi tomada em 2017 pela administração do então presidente Michel Temer e tem idêntico propósito: provocar o aquecimento da economia pela via da demanda e romper o ciclo de baixo crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). As últimas previsões oficiais para a expansão da atividade econômica em 2019 indicam o pífio índice de 0,81%, muito longe dos 2,5% e 3% que projetavam o governo e analistas do mercado no início do ano.
A demora do Congresso Nacional, atualmente em férias de meio de ano, em aprovar a reforma do sistema de aposentadorias – principal fator de desequilíbrio das contas públicas – esfriou a confiança dos agentes econômicos, retardando a realização de investimentos e a contratação de pessoal.
Decidido a cumprir a promessa eleitoral de não “comprar” apoio parlamentar com a distribuição de cargos a partidos políticos, o governo acabou aumentando o grau de dificuldade de aprovação de reformas estruturais inadiáveis. A maioria delas depende de alterações no texto da Constituição Federal de 1988, o que torna o governo refém dos grupos de pressão que atuam sobre as bancadas no Parlamento.
Para quem já levou poucas horas para aprovar medidas de interesse parlamentar, certamente seria possível encerrar o semestre com a votação de matéria tão importante para iniciar o desatamento dos nós que prendem a economia do país.
Afinal, até as xícaras do cafezinho do Congresso sabem que a mudança na Previdência é só uma porta de entrada e que há uma série de iniciativas do governo prontas para serem tocadas após essa votação. Todas elas destinadas a complementar o esforço de retomada do crescimento com a participação da iniciativa privada nacional e internacional.
É o caso da reforma tributária, da redução consciente da taxa de juros, do programa de privatizações e de um conjunto de concessões destinado a atrair investimentos em infraestrutura. Tudo isso já poderia estar em implantação, iniciando o processo de recuperação da confiança dos que investem, empreendem, empregam e, principalmente, dos que consomem produtos e serviços.
À espera da Previdência
A confiança e a expectativa otimista são combustíveis indispensáveis, como sabem os que conhecem o funcionamento da economia e dos negócios. Na escassez desses insumos, provocada por falhas de uma democracia ainda em construção, resta a adoção de medidas de emergência. Elas não terão efeitos duradouros, mas vão oferecer algum alívio às camadas mais frágeis da população durante esse tempo de espera.
Por isso mesmo, além da liberação antecipada de parte do FGTS, deve ocorrer ainda este ano uma nova rodada de resgates dos fundos do PIS/Pasep. Somadas, essas duas iniciativas vão injetar cerca R$ 60 bilhões nas veias do consumo, ou mesmo da poupança e da redução do endividamento das famílias.
Os saques do FGTS, que, em 2017, foram feitos em contas inativas (aquelas que não recebiam mais depósitos, por troca de emprego ou qualquer outro motivo), vão ocorrer este ano nas contas ativas. Os limites para cada faixa de beneficiários ainda serão divulgados, mas sabe-se que o governo pretende adotar o percentual máximo de 35% para as contas com menor saldo e de 10% para as que acumulam depósitos acima de R$ 50 mil. Assim, o trabalhador que tiver R$ 6 mil, por exemplo, depositados no fundo poderá resgatar até R$ 2.100.
Dos R$ 42 bilhões sacados em 2017 por 26 milhões de trabalhadores, cerca de 40%, ou seja, R$ 16,8 bilhões foram empregados no pagamento de dívidas, segundo pesquisa da Fundação Getulio Vargas. Esse dado anima economistas a estimar que a atual liberação dos saques terá impacto no consumo maior do que o anterior, já que hoje a inadimplência das famílias é menor.
Remuneração indigna
A dúvida que pode ocorrer é se vale a pena o trabalhador reduzir agora o saldo do FGTS, já que ele é uma reserva forçada para o caso de perda do emprego ou para a aposentadoria. É claro que vale. O dinheiro depositado no FGTS é, de longe, a pior aplicação que o trabalhador poderia fazer se pudesse ele mesmo administrar o fundo. Perde até da poupança. Rende míseros 3% ao ano, mais a TR, que é praticamente 0%.
É tão ruim que nos leva a uma reflexão: o FGTS não é recurso fiscal, não pertence ao governo, pois é depositado pelo patrão em conta aberta em nome de seu verdadeiro dono: o trabalhador. Não estaria na hora de conceder-lhe uma remuneração menos injusta, mais digna?