A Câmara dos Deputados retoma esta semana a votação da proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma do sistema nacional de aposentadorias, agora em seu segundo turno. Tudo indica que o texto aprovado antes das férias do meio do ano não sofrerá alterações de vulto, o que permitirá seu envio ao Senado Federal, onde deverá cumprir igual rito em duas comissões e em duas sessões plenárias.
Primeiro passo em busca da recuperação do equilíbrio fiscal e da racionalidade na administração do dinheiro público em âmbito federal, o avanço da reforma no Congresso Nacional é sem dúvida uma vitória da sociedade brasileira e, como tal, tem sido celebrado.
Polêmica e impopular em todos os países que tiveram a coragem de enfrentá-la, a reforma previdenciária no Brasil acabou revelando surpreendente maturidade política da maioria dos cidadãos. Narrativas mentirosas e discursos demagógicos dos que a ela se opunham foram simplesmente desprezados pela sociedade.
Essa adesão popular à PEC tornou impossível a sua rejeição pelo voto aberto de deputados que, antes, temiam perder apoio em suas bases eleitorais. O resultado do primeiro de turno foi a vitória da reforma por 379 votos contra apenas 131, superando com folga os dois terços exigidos para a aprovação de emendas à Constituição Federal de 1988.
Feitas as contas, o saldo das desidratações impostas pelas tesouras parlamentares não parece tão desprezível quanto se temia: mais de R$ 900 bilhões serão economizados ao longo dos próximos 10 anos. Isso, é claro, se o texto aprovado no primeiro turno da Câmara sobreviver aos próximos capítulos de sua tramitação.
Animados pelo arrasador placar obtido até agora, a maioria dos analistas está otimista. Para eles, a reforma da Previdência está feita e seus opositores amplamente derrotados. Restaria, então, encaminhar o debate e as votações das próximas mudanças estruturais, enquanto se colheriam os primeiros resultados da reforma aprovada.
Dificuldades à vista
Mas não é bem assim. No Brasil, nada é fácil.Trata-se do enorme rombo fiscal gerado pelos regimes próprios de aposentadoria mantidos pelos governos estaduais e por mais de 2 mil municípios. Na reta final das discussões na Câmara, governadores e alguns políticos, principalmente do Nordeste, se recusaram a apoiar publicamente a reforma da Previdência, negando-se a arcar com o ônus político de decidir pela sua implantação no âmbito do funcionalismo local. Essa atitude obrigou a Câmara dos Deputados a excluir do texto original os entes subnacionais para cumprir o calendário de aprovação da PEC.
A situação de penúria fiscal e de falência previdenciária em que vive a maioria dos estados e municípios está longe de explicar essa recusa. Boa parte dos governadores tem sido obrigada a dividir em duas ou três parcelas o pagamento dos vencimentos mensais de seus servidores e aposentados, aos quais estão impedidos de conceder reajustes.
Não é menos dramática a situação da maioria dos municípios, que, além do emagrecimento das cotas de fundos federais, enfrentam atrasos dos repasses obrigatórios por parte dos governos estaduais. Muitas prefeituras têm sido obrigadas a reduzir o horário de funcionamento de suas repartições como medida de contenção de gastos.
Socorro federal
Dados da Secretaria Especial de Previdência Social do Ministério da Economia revelam que a exclusão dos municípios vai impedir uma redução de gastos de R$ 170 bilhões com aposentadorias nos próximos 10 anos. Entre os maiores déficits estão os das cidades de São Paulo (R$ 20 bilhões), Rio de Janeiro (R$ 13 bilhões) e Belo Horizonte (R$ 3,8 bilhões).Já os estados e o Distrito Federal acumularão rombo previdenciário calculado em R$ 350 bilhões em 10 anos, se não conseguirem replicar a PEC em suas casas legislativas. Estudo realizado pelo Instituto de Economia Aplicada (Ipea) concluiu que a folha de inativos tem crescido mais do que a do pessoal da ativa em vários estados. Em Minas Gerais, por exemplo, entre 2017 e 2018, enquanto a folha de pessoal cresceu 1,55%, os gastos com inativos aumentaram 7,9%.
Muitos governadores terão dificuldade e alguns nem mesmo conseguirão aprovar a reforma em seus estados tão cedo. Na prática, o que vai acabar ocorrendo é que a situação dos estados e municípios, que hoje é ruim, se tornará caótica, grave demais para ficar sem o socorro federal.
Pelos valores envolvidos, que podem equivaler à metade de tudo que se projeta economizar com a reforma federal, parece mais prudente buscar o quanto antes uma solução no âmbito do Congresso Nacional. Se a política criou o problema, ela deve, agora, ser capaz de resolvê-lo.
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