É inevitável a impressão de que o tempo das vacas magras é mais longo do que esperávamos. É este o tempo que temos vivido no Brasil, desde o início da década que está por se encerrar daqui a quatro meses. Nesse período, tivemos dois anos seguidos da mais profunda recessão econômica de nossa história recente, da qual ainda sofremos pesadas heranças.
Uma delas é o desarranjo das contas públicas que, de tão grave, nos obrigou a acumular endividamento bruto de mais de R$ 5,4 trilhões (o leitor leu certo: cinco vírgula quatro trilhões de reais!). Equivale a quase 80% do Produto Interno Bruto (PIB) anual, ou seja, o dobro da média da dívida dos países tão subdesenvolvidos como o nosso. Isso é péssimo para o cadastro de quem, como Brasil, não pode prescindir da poupança externa, seja em forma de empréstimo, seja de investimento direto.
Tudo isso porque o governo fez de conta que o dinheiro público era inesgotável e bancou por vários anos uma gastança muito acima do que seria possível cobrir com a receita dos impostos. Com isso, atropelou regras básicas da administração responsável, escondeu por meio de “pedaladas” o desequilíbrio fiscal e, muito mais do que enganar incautos, causou danos de difícil reparação na confiança interna e internacional.
Em economia, a perda da confiança é uma das doenças mais graves. Seu primeiro efeito é a desaceleração das atividades, seguida de recessão, quebra de empresas e desativação de milhares de pequenos negócios, numa onda que resulta na chaga social do desemprego e do subemprego. O segundo efeito não é menos danoso: lentidão da retomada à normalidade. Vai variar na proporção da perda da confiança, quanto maior, mais demorada.
É o que estamos enfrentando agora no Brasil. Mesmo tendo o governo iniciado o cumprimento de doloroso dever de casa cortando gastos e contingenciando orçamentos, as contas públicas continuam longe do equilíbrio. Afinal, o rombo cavado pelo gigantismo do Estado e pela irresponsabilidade da gestão fiscal é profundo demais para ser coberto só pela redução da despesa. É preciso que a receita volte a crescer e isso depende da retomada da economia, que, por sua vez, não virá sem a recuperação da confiança.
Mas, como era de se esperar, ela não será recuperada tão rápido, não no Brasil, onde fazer o que é certo é sempre muito difícil, desgastante. A reforma da Previdência é o melhor exemplo disso. Mesmo depois da inédita proeza de conseguir o apoio da maioria da população a um projeto naturalmente polêmico, o governo ainda enfrenta dificuldades para aprovar no Congresso essa reforma tão necessária.
ESCAPAR DAS ARMADILHAS
Primeiro passo de um programa ousado de reformas destinadas a consolidar o equilíbrio das contas públicas, a reforma do sistema de aposentadorias precisa escapar das armadilhas armadas contra ela no Parlamento para gerar economia de quase R$ 1 trilhão nos próximos 10 anos. Seus efeitos mais importantes só serão sentidos na segunda metade desse prazo, mas sinaliza desde já a disposição do governo de levar adiante seu compromisso com a responsabilidade fiscal e, portanto, com a eliminação do perigo de dar calote na praça.
No passo a passo da reconquista da confiança perdida, é natural crescer a ansiedade quanto ao baixo nível do emprego. Temos hoje no país algo como 23 milhões de brasileiros desempregados ou vivendo de arranjos informais, sem contar os que já desistiram de procurar uma colocação. É uma preocupação que não pode deixar de fazer parte de qualquer planejamento oficial. Mas nem por isso deve levar o governo a se desviar do rumo de seu programa estrutural.
Tampouco se admite que o desemprego seja usado como biombo para disfarçar pressões por medidas impensadas. É sabido que o meio político não tira os olhos do calendário eleitoral e, por isso, costuma insistir em medidas que possam surtir efeitos imediatos. É o que explica o recente aumento do clamor na mídia ou fora dela em favor providências urgentes para reanimar a economia, ainda que isso resulte em mais déficit público.
PALPITE INFELIZ
A expansão monetária forçada, a ampliação desmedida da oferta de crédito pelos bancos públicos, o estímulo fiscal ao consumo (retirada do IPI de bens duráveis, por exemplo) e a elevação dos empréstimos subsidiados a empresas selecionadas foram enganos cometidos há cerca de sete anos para alegrar os corações aflitos e as mentes inocentes. A festa durou pouco, mas seus efeitos danosos persistem.
Espera-se que o governo não aceite o palpite infeliz dos que defendem aquecer a economia a qualquer custo. Ou eles não aprenderam nada com o passado recente ou não têm boas intenções.
Mais prudente será fugir do imediatismo bumerangue e persistir na austeridade fiscal, na aprovação de reformas estruturais, na aceleração das privatizações e das concessões (principalmente em infraestrutura) e no desafio de adequar a educação ao século 21. É daí que virá o desenvolvimento sustentável. Estelionato eleitoral nunca mais.