Quando os operadores do mercado financeiro encerraram o expediente da última sexta-feira, 25 de março, os computadores dos bancos, corretoras e até os da B3 (a bolsa de valores do Brasil) mostravam o que ninguém imaginava. O dólar comercial fechou em impensáveis R$ 4,70, elevando a queda acumulada na semana para 5,37%. Até aquele dia, a desvalorização da moeda americana frente ao real, que vinha ocorrendo discretamente desde janeiro, acumulou queda de 14,86%.
Na contramão do câmbio, o Ibovespa, principal índice que mede as oscilações do mercado acionário brasileiro, mesmo fechando a sexta-feira com alta apenas simbólica de 0,02%, acumulou elevação de 3,27% durante a semana. Depois de oito pregões em alta, ontem, enquanto esta coluna estava sendo preparada, a bolsa e o câmbio pareciam cumprir a tradição de fazer alguns ajustes. Eram esperadas pequenas quedas em ambos, embora a valorização do real frente ao dólar oferecesse mais resistência.
Como isso pôde acontecer em meio a uma guerra que, nas últimas semanas, vem afetando o mercado financeiro internacional, a produção das indústrias e o fluxo de comércio mundial? E, pior ainda, quando o mundo ainda não superou os efeitos negativos da crise sanitária que gerou escassez de insumos e provocou uma corrida de preços generalizada?
No Brasil, não tem sido diferente. A valorização de um bom número de empresas no mercado de ações também vem ocorrendo em momento de pressão inflacionária, o que, normalmente, desaconselharia a aplicação nesse mercado. Na semana passada, a divulgação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15) de março, que ficou em 0,95%, teve impacto muito menor que se esperava e não será surpresa se o mesmo ocorrer na semana que vem, com a divulgação do IPCA do mês inteiro.
Soa paradoxal a queda do dólar e a alta da bolsa brasileira em momento de tensão internacional e de alta da inflação doméstica. Mas é preciso lembrar que as reações da economia, por ela não ser uma ciência exata, não se limitam a fatos isolados. Eles têm de ser analisados em um contexto mais amplo de causas e consequências. Por exemplo, a guerra Rússia/Ucrânia reduziu a oferta de grãos e de petróleo bruto. Essas commodities ficaram mais caras e isso trouxe perdas para quem compra e ganhos para quem vende.
Ou seja, por ser o Brasil grande exportador de commodities, a alta das cotações puxadas pela escassez da oferta global tem pesado favoravelmente na balança comercial do país. Estamos apenas no primeiro trimestre, mas não há mais dúvida de que o superávit comercial de 2021, de US$ 61,4 bilhões, será batido com folga este ano. As consequências da guerra não são iguais para todos os países. Para a economia brasileira houve um lado bom.
COMMODITIES
É o que explica o interesse nas ações das empresas exportadoras de commodities do Brasil, além do fato de elas ainda estarem relativamente baratas. A B3 vem recebendo uma enxurrada de aplicações feitas por investidores estrangeiros. A bolsa não está sozinha. Papéis de renda fixa, públicos e privados, também estão na mira do investidor estrangeiro, tudo por causa da diferença entre nossas taxas de juros – muito aumentadas para combater a inflação – e as praticadas nos países de moeda forte. Resultado: mais uma inundação de dólares no Brasil.
Todo mundo sabe do caráter especulativo da maior parte dessas aplicações estrangeiras no país. Vieram aproveitar o baixo custo de carregamento proporcionado pela taxa Selic de 11,75% ao ano, uma das mais altas do mundo.
E mesmo que a autoridade monetária dos Estados Unidos acorde para a necessidade de combater a inflação com taxas de juros menos tímidas, a diferença em relação à nossa Selic deve perdurar por mais alguns meses. Lá, agentes do mercado financeiro pressionam para que o Federal Reserve (o banco central dos EUA) continue apertando a política monetária em maio e junho, com aumentos de 50 pontos-base.
CONFIANÇA
Ninguém espera que esse quadro dure muito, até porque, em condições normais, juros altos não estimulam o desenvolvimento econômico. A propósito, vale acrescentar um dado animador: o investimento estrangeiro não especulativo também está crescendo. Em janeiro, o chamado Investimento Direto no País (IDP) somou US$ 4,70 bilhões, superando em 35,5% os US$ 3,47 bilhões de igual mês de 2021. Em fevereiro, as entradas nessa conta, a serem divulgadas pelo Banco Central, vinham ocorrendo em volume ainda maior.
Tudo isso comprova que a percepção de quem decide em alto nível sobre negócios envolvendo bilhões em qualquer moeda passa longe das narrativas locais de cunho eleitoral. Fala mais alto a identificação de boas oportunidades em um país que tem cumprido seus contratos e em que o governo e a maioria da sociedade não hostilizam o capital.
Hoje, o Brasil poderia estar recebendo ainda mais capitais estrangeiros se não tivesse perdido, no governo Dilma Rousseff, o grau de investimento das agências internacionais de risco de crédito. Ainda assim, nesta hora conturbada pela guerra, o dinheiro – que não costuma aceitar desaforos – dá a nosso país uma inequívoca demonstração de confiança. Vamos continuar fazendo por merecê-la?