Depois de uma semana marcada pelo aumento quase simultâneo das taxas básicas de juros pelas autoridades monetárias de mais de 40 países, a começar pela dos Estados Unidos e até pela da Suíça, o mundo foi tomado por uma onda de perplexidade e medo. Essa onda teve início – mais uma vez – nos agitados escritórios do mundo financeiro em torno de Wall Street, em Nova York, e acabou derrubando bolsas mundo afora.
É claro que os alarmistas profissionais, seja por interesse econômico ou político eleitoral, logo entraram em campo para fazer o barulho de sempre: estes para tentar pôr a culpa em algum adversário, aqueles para poder comprar barato na baixa dos papéis. O problema é que, desta vez, o motivo da preocupação é real, principalmente para os Estados Unidos.
O mal-estar já vinha grassando há meses, desde que o desarranjo das cadeias de suprimento, provocado pela paralisação de indústrias durante a pandemia, gerou um choque mundial de oferta e, com ele, um aumento generalizado de preços. A guerra entre a Rússia e a Ucrânia, iniciada em fevereiro, só fez agravar a situação, afetando os mercados de alimentos e de combustíveis.
Mas foi na última quarta-feira que a onda pessimista ganhou tração, depois que o Fed (o banco central dos norte-americanos) anunciou o aumento de 75 pontos base (0,75%) nos fed funds, elevando a oscilação média da taxa básica de juros para mais de 2,5% ao ano.
O Fed havia feito dois aumentos em percentuais mais baixos e a maioria dos agentes financeiros não esperava nada além de 0,5% agora. A decisão de quarta-feira impactou os mercados financeiros dos Estados Unidos e do resto do mundo, pois sinalizou que a autoridade monetária do país emissor do dólar decidiu priorizar o combate à inflação em vez de dar estímulos ao crescimento da economia, como até há pouco vinha fazendo.
A perplexidade geralmente ocorre quando se percebe que a leitura do presente, isto é, da realidade, tem sido equivocada. De fato, as autoridades do Fed demoraram muito a reconhecer que a inflação pós pandemia, agravada pela guerra na Ucrânia, não era fenômeno passageiro. Na semana passada, o PCI, principal índice de preços ao consumidor americano já andava pelos 8,5% ao ano, patamar não visto há 40 anos.
INVERSÃO
Ao reconhecer o erro, o Fed concluiu que teria de promover a inversão mais rápida e mais forte da taxa básica de juros, de modo a levá-la para o campo restritivo. Ou seja, tornar o dinheiro mais caro e, com isso, desencorajar o consumo, antes que a corrida dos preços fique descontrolada. Isso significa que, nas próximas reuniões do Comitê Federal do Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês, o Copom americano), novos aumentos dos juros poderão vir na mesma porcentagem.
A taxa básica chegaria ao fim de 2022 a 4% ao ano nos Estados Unidos. Da perplexidade ao medo foi um pulo: mais do que a desaceleração do consumo e, portanto, da economia, uma inversão muito forte da taxa de juros pode provocar uma recessão nos EUA e no resto do mundo.
Justo agora, quando todos os países enfrentam o desafio de reanimar suas economias afetadas pela pandemia, ao mesmo tempo em que tentam conter os preços internos, perder um dos maiores importadores de seus produtos não ajuda em nada.
Além disso, a alta dos juros nos Estados Unidos acaba forçando os demais países, principalmente os emergentes, como o Brasil, a também elevar suas taxas de remuneração do capital. Ou fazem isso, ou correm o risco de lamentar a revoada dos dólares, hoje aplicados em seus títulos de dívida pública e em papeis de empresas locais, rumo aos treasuries norte-americanos.
Nesse ponto, cresce o dilema das autoridades monetárias de qualquer país que leva a sério a gestão da macroeconomia. Trata-se de tomar, em meio a tantas incertezas, as decisões de política monetária mais adequadas. Ou seja, definir e praticar a dosagem correta do remédio (taxa de juros) para curar a doença (inflação), sem matar o paciente (a atividade econômica).
NO BRASIL
Para quem está tão atrasado quanto os Estados Unidos em reconhecer a gravidade da atual onda inflacionária, o trabalho será mais árduo e perigoso. Parece ser o caso de alguns países da Europa, dependentes do petróleo e do gás da Rússia e dos cereais da Ucrânia. A administração da União Europeia, por exemplo, vinha resistindo a mudanças em sua política monetária, apesar de a inflação na zona do euro já ter batido nos 7,6% ao ano.
Não é o caso do Brasil, já que o nosso Banco Central (BC) começou a inverter mais cedo sua política monetária. A Selic, que havia entrado em 2021 em seu patamar mais baixo, 2% ao ano, subiu para 2,75% em março do mesmo ano e não parou mais de crescer. Na fatídica última quarta-feira, ela ganhou mais 75 pontos base, chegando aos 13,75% ao ano, para uma inflação de 11,73%.
Antes de aplicar novo aumento dos juros, o BC terá tempo para apurar se a inflação brasileira tende a cair nos próximos meses. Se assim for, o que se espera aqui é uma política monetária de estímulos anticíclicos. Afinal, se a desaceleração mundial parece inevitável, melhor estarmos preparados.