Por Pedro Lobato
A esta altura do mais disputado campeonato eleitoral brasileiro dos últimos tempos, uma realidade se impõe: as urnas de 2 de outubro promoveram uma mudança profunda na configuração do Congresso Nacional. A partir de janeiro próximo, Câmara e Senado passam a ter um perfil predominantemente de direita (conservador nos costumes com viés liberal na economia) em relação aos que se autoproclamam progressistas (de esquerda) até então dominantes no Legislativo.
A força dessa voragem direitista – alguns analistas do mundo político chamam-na de onda bolsonarista – pode ter surpreendido os que insistiram em apostar no acerto das pesquisas de intenção de voto, mais uma vez colocadas em xeque, mas já vinha sendo percebida por boa parte do mercado financeiro.
Essa não foi a única, mas, certamente, foi a mais importante razão para que, menos de 12 horas após o anúncio dos resultados, a Bolsa de Valores operou em alta de 5,5%, enquanto o dólar frente ao real afundava 4%.
Os números que atestam a vitória dos partidos de direita com assento no Congresso Nacional não deixam dúvidas. O PL, partido ao qual é filiado o atual presidente e candidato à reeleição, conseguiu eleger 99 deputados, tornando-se o maior da Câmara. Somados esses votos aos dos partidos aliados, PP, Republicanos e União Brasil (que negocia uma fusão com o PP), serão 246 deputados. Ou seja, 48% do plenário, proporção muito próxima e que, portanto, torna fácil alcançar maiorias para a aprovação de matérias, inclusive as que demandam quórum qualificado.
No Senado, casa em que as pautas conservadoras ou liberais mais sofreram obstrução dos progressistas nos últimos quatro anos, a virada à direita foi ainda mais marcante. Embora a renovação dos mandatos de oito anos prevista para este ano tenha contemplado apenas um terço das 81 cadeiras, as bancadas com perfil de direita passaram a contar com 35 senadores, o que representa 43% do total, um percentual que também facilita o alcance de maiorias.
Detalhe importante: o PL passou a contar com o maior número de assentos, o que permite ao partido do atual presidente da República conquistar a presidência do Senado e do Congresso. Por sua vez, os seis partidos de esquerda, liderados pelo PT do candidato oposicionista à presidência da República, perderam espaço. Na Câmara, terão 125 deputados, representando 24,5% do plenário. No Senado, terão apenas 13 senadores, ou seja, 16% do total de cadeiras.
Nova fase
Essa mudança de perfil da maioria parlamentar no Congresso Nacional terá consequências marcantes ao longo dos próximos anos, nos campos social, político e econômico do país. Elas serão ainda mais evidentes depois da conclusão do segundo turno das eleições. Aí saberemos se o esse novo Congresso será aliado ou oposição ao chefe do Executivo.
Ninguém se esqueceu do insano e antidemocrático negacionismo sistemático imposto ao Executivo pelos comandos da Câmara e do Senado nos dois primeiros anos da atual gestão. Reformas foram bloqueadas e medidas propostas foram levadas à caducidade sem ao menos serem discutidas. Os interesses partidários ou de grupos prevaleceram sobre os do país, em claro desrespeito à vontade das urnas de 2018.
Está claro, portanto, que o governo do Brasil viverá, a partir de janeiro de próximo ano, uma nova fase, seja quem for o vencedor do segundo turno no próximo dia 30. Também está claro que, nos últimos quatro anos, a sociedade brasileira avançou na compreensão de que nada importante se faz – dentro da lei – sem a aprovação do Legislativo. E parece estar disposta a cobrar o cumprimento desse papel dos deputados e senadores.
Ganho democrático
Em vez das versões falaciosas dos que tentam minimizar a percepção que o mercado financeiro teve da mudança ocorrida no Legislativo, é de todo útil ao eleitor comum entendê-la como correta. Dado e aceito que a cidadania finalmente compreendeu qual é o papel de cada representante do povo eleito para os poderes Executivo e Legislativo, a nova configuração do Congresso representa um ganho político para o país.
Ou seja, se tivermos um presidente progressista, os representantes do povo estarão prontos para impedir seus eventuais excessos e prometidos retrocessos. Exemplos são a anulação da reforma trabalhista, a criação de novos impostos ou contribuições sem a eliminação de tributos existentes, a derrubada do teto de gastos públicos sem a imediata instituição de uma nova e poderosa âncora fiscal e a criação de mecanismos de suposta participação popular na gestão pública, inclusive nas pautas de costumes, em prejuízo do Poder Legislativo.
Do outro lado, se for o presidente um conservador nos costumes com viés liberal na economia, o novo Congresso, mesmo alinhado à pauta de reformas, principalmente a administrativa e a tributária (urgentes), deverá estar aberto ao debate e pronto a conter eventuais excessos, inclusive no campo das privatizações. Igualmente importante será manter o combate permanente à inflação, a independência do Banco Central e o compromisso com o equilíbrio fiscal.
Como tudo isso vai funcionar, só as urnas do dia 30 dirão. Vamos a elas!