Uma tradição brasileira está prestes a ser quebrada na administração pública federal a partir do ano que vem. Em seu primeiro ano de mandato, a maioria dos governantes de nosso país costuma adotar uma postura cautelosa em relação aos gastos. Há uma lógica por trás dessa atitude e ela não se resume à sabedoria dos generais vencedores, que evitam gastar toda a pólvora nas primeiras batalhas.
É natural que o administrador recém-empossado desconheça boa parte do que guardam as gavetas do passivo herdado. Além disso, ele vai iniciar sua gestão com um orçamento aprovado pela administração anterior que, obviamente, tinha orientação e práticas diferentes da sua.
Então, parece prudente começar por conhecer melhor a casa, antes de mostrar ousadia. É nesse período inaugural que se espera habilidade do novo administrador. Ele terá de enfrentar, sem precipitação, realidades conflitantes, produzidas pela elasticidade das demandas políticas que passam longe das reais disponibilidades de caixa e, não raro, das severas limitações da lei.
É sabido que apoiadores eleitorais não costumam ser pacientes com a demora em ser atendidos. Pior ainda são os compromissos com data marcada para “o primeiro dia de governo”, assumidos no calor da campanha eleitoral – prática comum à maioria dos que disputam o poder.
É verdade que, nestes tempos de redes sociais fervilhando na internet, deixar de cumpri-los no prazo prometido pode ganhar peso de estelionato eleitoral. Sem dúvida, promessas são dívidas a serem cumpridas. Mas não é razoável conferir a elas o status de pandemia para justificar excepcionalidades que comprometam a viabilidade fiscal do país.
Trata-se de um rebote que não virá só para o povo. Ao governo custará desgaste político que pode muito bem ser evitado. Economistas de boa escola e administradores experientes sabem que a realidade da economia não costuma perdoar os excessos comandados pela euforia do empoderamento político. É esse o risco que os primeiros movimentos da equipe de transição do próximo governo demonstram disposição de correr.
Certas necessidades sociais são mesmo urgentes, mas valer-se dessa constatação para abusar da elasticidade do gasto público é irresponsabilidade com o equilíbrio fiscal e com a economia popular. Uma coisa é buscar solução orçamentária para manter em R$ 600 o valor básico dessa transferência direta de renda. Ninguém desconhece a pobreza de parte da população, situação agravada pela pandemia da COVID-19.
Outra coisa é pegar carona nos R$ 600 do Auxílio Brasil para conceder um adicional de R$ 150 por criança. Além disso, no mesmo dia primeiro de janeiro de 2023, o salário mínimo teria um aumento real, isto é, um percentual acima da correção dos cerca de 5% da inflação de 2022.
Rombo fiscal
Não dá para esquecer que cada R$ 1 de aumento no salário mínimo provoca uma elevação de R$ 364,8 milhões por ano nas despesas com Benefícios da Previdência, Abono e Seguro Desemprego e Benefícios de Prestação Continuada da Lei Orgânica de Assistência Social e da Renda Mensal Vitalícia. Afinal, cerca de 60% dos benefícios pagos pelo INSS são equivalentes ao salário mínimo.
Tem mais: o início do ano novo seria marcado pela isenção do Imposto de Renda dos trabalhadores que ganham menos de R$ 5 mil por mês. Se feita de uma só vez, essa mudança vai representar uma redução da arrecadação federal superior a R$ 100 bilhões por ano. É, portanto, modificação a ser feita gradualmente, no âmbito de uma (essa, sim) urgente reforma tributária.
Enfim, puxa daqui, estica dali, já beira os R$ 200 bilhões o rombo no orçamento de 2023 que a equipe de transição está negociando com o atual Congresso Nacional. Essa pressa dos políticos em gastar o dinheiro que o governo ainda não tem é o que explica a ansiedade dos agentes do mercado financeiro em saber qual o perfil do futuro ministro da Economia.
Ou seja, de quem nunca escondeu o desejo de derrubar as limitações impostas pela lei do teto de gastos, espera-se a afirmação de compromisso com o equilíbrio das contas públicas e, principalmente, a definição de uma nova âncora fiscal. Além disso, importa também o rumo que se pretende dar à política econômica para além dos primeiros meses da nova administração. Ou seja, com quais instrumentos pretenderá o novo governo promover o crescimento da economia nos próximos quatro anos.
Potencialidades
A expectativa é de que se evite a tentação de volta à antiga e polêmica (para dizer o mínimo) ideia de fazer do Estado o indutor do desenvolvimento. Isso pode levar a uma política de endividamento crescente do Tesouro, hoje no elevado patamar de 77% do Produto Interno Bruto (PIB). Será ir na contramão das concessões e privatizações, que buscam mais eficiência e menor custo.
Ante as transformações que a geopolítica está imponto ao processo de globalização, é inegável que o Brasil pode explorar com vantagens suas reconhecidas potencialidades, abrindo oportunidades e atraindo o capital privado, inclusive o estrangeiro, para setores como os de infraestrutura viária, energia limpa e telecomunicações.
Ainda há tempo para que o novo governo evite queimar sua largada e receba orientação mais afinada com a realidade da economia mundial para o Brasil crescer nos próximos anos.