Contando com esta terça-feira, faltam apenas três dias (se não houver convocação extraordinária) para os brasileiros de bem se livrarem das atuais composições da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. É tempo de sobra – dirão os mais experientes – para a maioria parlamentar golpear a sociedade em favor de interesses pessoais ou partidários.
Não é de hoje que boa parte dos eleitos para legislar em favor da maioria da população se esquece da missão que o povo lhes confiou. Isso ocorre quando o nefasto vale-tudo do jogo do poder político se sobrepõe a tudo que seria mais correto. Também não é novidade a aprovação a toque de caixa, às vésperas do Natal, de verdadeiras aberrações que, em outras circunstâncias, provocariam a ira da opinião pública.
“Pior do que o Congresso atual, só o próximo”, ironizava o traquejado deputado paulista Ulysses Guimarães, referindo-se à avaliação que o brasileiro médio costuma fazer de nosso Parlamento. Mas, como a esperança é sempre a última que morre, nada impede que o Congresso que emergiu das urnas de 2022 faça alguma diferença.
Com boa dose de sangue novo e bancadas com perfil mais próximo da centro-direita, o Senado que tomará posse em fevereiro tende a reconhecer a redução do tamanho e do custo do Estado como uma necessidade inadiável. Isso abre hoje duas boas expectativas para esta passagem de ano.
A primeira é a que o atual Senado simplesmente não vote este ano as perigosas mudanças na Lei das Estatais, imprudentemente aprovadas pela Câmara dos Deputados na semana passada. A segunda é que, em 2023, os novos senadores percebam o retrocesso que essas mudanças representam e, assim, reprovem todo o texto ou, pelo menos, as partes inconvenientes dele.
Uma delas merece atenção especial. É a que, a pretexto de viabilizar a indicação do ex-ministro-chefe da Casa Civil Aloízio Mercadante à presidência do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), altera gravemente um dos dispositivos fundamentais da referida lei.
Não se discute a qualificação acadêmica do indicado, economista graduado pela USP e pós-graduado pela Unicamp. O problema é de outra natureza. A Lei 13.303/2026 foi sancionada sob o impacto das apurações da Operação Lava-Jato e teve como propósito blindar a administração das empresas estatais e de capital misto da influência política. Além de definir níveis mínimos de compliance e de transparência a serem cumpridos por essas empresas, estabeleceu limitações à admissão de agentes políticos em seus quadros de direção.
Em seu artigo 17, parágrafo 2º, inciso II, a lei é categórica ao vedar a indicação, para o Conselho de Administração e para a diretoria, “de pessoa que atuou, nos últimos 36 (trinta e seis) meses, como participante de estrutura decisória de partido político ou em trabalho vinculado a organização, estruturação e realização de campanha eleitoral”.
QUARENTENA
Ao estabelecer o prazo de três anos para desvinculação da atividade política ou partidária do indicado a cargo de direção de empresa estatal, o legislador de 2016 certamente se lembrou de que, no Brasil, temos eleições a cada dois anos.
A emenda aprovada às pressas e sem a devida discussão de suas inconveniências pela Câmara dos Deputados altera aquele prazo para apenas 30 dias. Ou seja, para o caso específico do ex-ministro, anulou totalmente a exigência original, já que a campanha eleitoral da qual ele foi coordenador se encerrou há mais de 40 dias.
Casuísmo à parte, o pior que essa alteração trará, assim que entrar em vigor, será o fim do fechamento – duramente conquistado pela sociedade – de uma porta que impede o acesso a centenas de cabides de bons empregos pagos pelo dinheiro público.
Recente levantamento da Secretaria Especial de Desestatização do Ministério da Economia identificou nada menos do que 589 empregos no alto escalão administrativo de pelo menos 40 empresas estatais com controle ou participação acionária da União. São 272 postos de diretoria, incluindo os de presidente, diretor-geral e diretor-presidente, e 317 assentos em conselhos de administração, com salários a partir de R$ 17,8 mil.
BONS RESULTADOS
Como se vê, somente nesse segmento da administração federal (sem contar órgãos, autarquias e fundações), uma emenda aparentemente singela aplicada à Lei das Estatais já coloca à disposição do poder político um bom estoque de moeda de troca.
O problema é que essa manobra joga no lixo um indiscutível avanço que o país vinha conseguindo, ao sanear e tornar produtiva para a sociedade a atividade pública no formato de empresa, mais ágil e eficiente. Os resultados da blindagem das estatais aos políticos não deixam dúvida quanto ao seu acerto. Nos últimos cinco anos, a maioria delas deixou de dar prejuízos.
O melhor desempenho foi apurado no ano passado, quando o lucro das empresas controladas pela União somou R$ 187,7 bilhões, três vezes maior do que o obtido em 2020. Esse total inclui desde os R$ 107 bilhões obtidos pela Petrobras até os R$ 2,2 bilhões dos Correios, ambos recuperados de um passado recente, ao qual os brasileiros de bem não pretendem voltar.