Jornal Estado de Minas

MÍDIA E PODER

Governo aposta em corrupção para nivelar o jogo na CPI



Renan Calheiros poderia ter tido o mesmo destino de Eduardo Cunha, o presidente da Câmara que capitaneou o impeachment de Dilma Rousseff. Afastado da presidência por uma decisão monocrática do ministro Teori Zavascki, em maio de 2016, acabou cassado e preso em menos de cinco meses. 





Na sua autobiografia recente, Tchau, Querida, atribui sua desgraça a Rodrigo Maia, que traiu um compromisso de que se afastaria em troca de que seu processo fosse enviado para dar em nada na Comissão de Ética e se elegesse um aliado, Rogério Rosso, para o seu lugar.

Seu prontuário era menos robusto do que o de Renan, com então 12 processos no STF, além do que determinou o seu afastamento da presidência, em liminar do ministro Marco Aurélio. Só que ele não recebeu a notificação da decisão, e o plenário do Supremo, sabidamente de dois pesos e quatro medidas, não teve culhão para enfrentá-lo.

— Atitude inconcebível, intolerável e grotesca — rendeu-se Marco Aurélio.

Sobreviveu e riu por último como o principal remanescente da cepa dos mais poderosos presidentes do Senado, da estatura de Antônio Carlos Magalhães, José Sarney e Jader Barbalho, autoridade mundial em colocar bodes na sala e fingir que está agindo com espírito público.





A ponto de chamar depoentes de mentirosos sem ruborizar e, embalado pela notoriedade que reabilitou, até dar conselho a Jair Bolsonaro, a quem vem destruindo como relator da até agora mais arrasadora das CPIs

Em entrevista recente, para não dizer que se trata apenas de um carrasco no papel que mais gosta, pontificou que a tragédia do presidente na comissão poderia ser menor, desde que tivesse uma linha de defesa mínima que fizesse frente a seus ataques.

De fato, Bolsonaro, um pato do baixo clero com uma tradição de cuspir para cima, fez por merecer toda a pancadaria que vem sofrendo na inquisição senatorial. Não tanto pelos erros formais que vêm sendo descobertos, mas por ter tripudiado sobre a maior das desgraças que o país já viveu.





É certo também que, diante do tamanho da tragédia e do desespero legítimo por descobrir um culpado, a CPI tem se excedido além do que é padrão nesse tipo de espetáculo do mais circense dos poderes.

Na tradição brasileira, as CPIs são criadas para torrar os governos. Não necessariamente para derrubá-los, porque dependem da formação complicada de maiorias, mas levá-los moribundos até a eleição. 

É institucionalmente um instrumento da minoria, que age intencionalmente de só ouvir o que quer, e da maioria interessada em palanque. À exceção do relator e do autor do pedido de sua formação que carregam o piano — Renan Calheiros e Randolfe Rodrigues no caso atual — o restante em geral comparece para fazer cena.





A mídia em geral, pequena ou grande, a-do-rou por exemplo o pronunciamento massacrante da senadora Kátia Abreu contra Ernesto Araújo. Mas ela não compareceu interessada em perguntar nada, como de fato não perguntou. Queria repetir, com as mesmas frases e ênfases de motosserra, o discurso que havia feito com sucesso igual semanas antes, na sessão que recebeu o chanceler para degolá-lo.

Piorou muito desde as transmissões pelas TVs legislativas e ainda mais com o advento das selfies e das auto transmissões simultâneas em rede social. Até se transformar no show sangrento de cumplicidade nacional quando pega um pato manco pela frente, como Jair Bolsonaro.

De fato, como pontifica Renan do alto de sua bem fundada experiência de décadas de passeio sobre as pedras do pântano de Brasília, ele não tem uma linha de defesa mínima. Embora tenha uma versão. Que não é tão boa, mas não tão ruim quanto faz crer a algaravia palanqueira da CPI. 





O governo apostou numa vacina, sim, a da Oxford/Astrazeneca, ainda em julho. Estava cercado de brucutus em defesa da imunidade de rebanho, incluindo o médico deputado Osmar Terra, mas também de cientistas respeitáveis da Anvisa e da centenária Fiocruz, então defensores de uma vacina nacional, mais barata, com pretensões de exportação.

Seu problema é que não tinha prazo. Era razoável acreditar, na ocasião, que se tratava de falácia toda conversa de vacina em quatro meses, dado a experiência científica de que nenhuma poderia ser confiável em menos de três anos de testes.

Certo que o governo rejeitou seguidas propostas da Pfeizer e só andou no final de outubro, quando João Dória sinalizou que vacinaria o primeiro cidadão e tiraria a primeira foto, ainda em dezembro.





Por cálculo eleitoral, como de fato anda, ou não, também é certo que pôs os bondes nos trilhos, nas interlocuções de Fábio Wajngarten e, enfim, de Pazuello e do próprio presidente, junto à China, à Índia e à Pfeizer.

Em torno disso, há toda uma série de erros periféricos, negacionismodesprezo a máscaras e aglomeraçõesagressões ao embaixador do país que deveria fornecer a matéria prima da vacina. Que alimentam o palanque da CPI, mas não invalidam sua tese, a de que tudo era discutível se o principal, uma vacina boa e barata, estava sendo providenciado.

Políticos espertos operam com uma versão, boa ou ruim. Colocam na praça para explicar ou pelo menos, como ensinava Chacrinha, um antepassado de Renan, confundir. 

Por pior que seja, é melhor do que nenhuma ou patrocinar o vexame de mandar auxiliares inexperientes e atarantados — WajngartenErnesto Pazuello — mentir, dissimular ou mandar ficar calados diante de uma plateia de serpentes.





Achar que eles enganariam um serpentário de cobras criadas capitaneadas por dois malandros velhos, como Omar Aziz e Renan Calheiros, é de uma inabilidade de baixo clero impressionante.

Como não é possível que Bolsonaro seja tão imbecil, porque ninguém chega a Brasília sem ter aprendido o mínimo do que Renan sabe, é possível conceder que tenha a sua linha de defesa. Nas entrelinhas dos discursos insossos de sua tropa de choque, parece relacionada com os desvios de verbas federais da pandemia por governadores.

Bolsonaro e sua tropa sinalizam contar com o momento em que vão desembrulhar respiradores, camas ou seringas superfaturados, que têm impacto midiático tão forte ou maior do que a retórica em torno de eventuais desvios administrativos ou opções de governo. Como perdem todas, não conseguiram colocar essa carroça na frente dos bois de piranhas que vêm sendo convocados.

Desde que a UDN moralista denunciou o mar de lama que levou Getúlio para o túmulo, é sabido que nada melhor para nivelar o jogo político no Brasil do que corrupção. O PT, herdeiro da UDN ou "UDN de macacão", como se disse, e Bolsonaro sabem muito bem disso.





No meio da lama, ficam todos iguais. Até relevamos o que neles, às vezes, nem é o mais importante. 

É o que Bolsonaro tem. Uma versão, ainda que ruim, e a expectativa de que se comece a desembrulhar o tipo de pacote, não retórico, que se pode pegar com as mãos.

Itatiaia e Menin

Há mistério excitante por descobrir depois da compra da rádio Itatiaia, revelada com exclusividade pelo Estado de Minas.

O que vai ser da velha emissora, sucesso comercial e de audiência apesar do modelo anos 50 de gestão familiar e emocional, nas mãos do novo Midas da construção civil, dos sistemas bancários e de comunicação.





Como impor, sem perder dinheiro e seu público cativo, os valores opostos de racionalidade e profissionalismo empresarial do dono da MRV, do Inter, de galpões logísticos, de metade do Atlético e de uma vinícola que usa rolhas de silicone?

Ou, mais ainda, os de isenção jornalística sobre a qual o dono da CNN vem adorando pontificar?

Leia: Apesar do sucesso, velha Itatiaia não deve sobreviver ao estilo Menin

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