O grande erro de Jair Bolsonaro nessa pendenga da compra da Covaxin, por preço, prazo e pressão heterodoxos, foi extra contrato: mandar punir o mensageiro e não os responsáveis pela mensagem.
Mandar investigar quem cumpria seu dever de zelar pela lisura na administração pública e quem denunciava fraudes contra ela. Não quem queria fraudá-la.
Ou, pelo contrário, proteger quem deveria punir e não punir quem deveria proteger, respectivamente o chefe da área de logística do Ministério da Saúde, Luís Ricardo Miranda, e seu irmão deputado, Luís Miranda.
Pelo que se sabe até agora, até a reunião em clima de de jardim de infância da CPI que ouviu os dois, hoje, os
indícios mais graves passam longe do presidente.
Membros do governo apressaram a assinatura do contrato e pressionaram pela importação e a liberação de pagamento antes da entrega e mesmo da aprovação da Anvisa.
Servidores públicos se reuniram com empresários enrolados em processos que já causaram prejuízos ao poder público, fora das dependências do Ministério da Saúde, para pressionar de dentro para fora a estrutura de controle do órgão.
As notas fiscais (invoice) do pagamento, já por si indevido, eram de uma terceira empresa, de um paraíso fiscal, que não constava do contrato.
Pode-se tentar culpá-lo, como se vem fazendo, de prevaricação, que diz respeito a servidor público que não toma providência a respeito de fraude ou crime de que tenha conhecimento.
Não se tem prova de que tenha agido, mas também de que não tenha. Há versões de que iria passar a denúncia para a Polícia Federal ou de que passou para o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello no dia em que recebeu Luís Miranda, Marcelo Queiroga, três dias depois.
Como o Ministério Público, competente para acionar a PF, já estava ouvindo o servidor a respeito, a primeira providência estaria prejudicada. Tendo tomado somente a segunda, teria cumprido a obrigação no âmbito da correção administrativa.
Toda a polêmica posterior, de que não teria respondido às cobranças do deputado, vai na conta da retórica parlamentar de um deputado magoado, por vários motivos.
Em favor do governo, por sorte e providência de outros servidores sérios, da Anvisa, nada mais andou a respeito do contrato dentro do Ministério da Saúde depois da reunião do deputado no Planalto. E, de fato, não se pagou um centavo.
Há responsabilidades e improbidade administrativa a provar, ainda que não tenha se concretizado o pagamento, mas há margem de sobra para o presidente dizer que as coisas estavam longe de seu conhecimento e responsabilidade.
Poderia ter dito isso, mas optou por mandar atacar o servidor isento e fabricar novos inimigos para jogar aos leões de sua tropa de choque nas redes sociais, como sempre.
Não o empresário que já tinha dado cano no governo e os servidores suspeitos de o protegerem. Mais especificamente, três militares em postos de direção ou coordenação: Roberto Ferreira Dias, Alex Lial Marinho e Marcelo Bento Pires.
Não se trata apenas do primeiro e único e nem de um erro banal. Mas do mais grave. Reafirma seu absoluto despreparo para tomar conta do patrimônio público que lhe foi entregue nas eleições.
Algo que a maioria da população já sabe, mas não custa lembrar.