O ex-deputado Jean Wyllys acusou Eduardo Leite de estar assumindo sua bissexualidade um tanto quanto tarde, quando seria, segundo insinuou em suas redes sociais, conveniente.
"Quando se é branco, rico e soldado da plutocracia e do neoliberalismo que 'não tolera' a homofobia porque LGBTQ viraram nicho de mercado rentável, fica fácil assumir-se gay (ainda que se negando) e catalisar a solidariedade acrítica dos cúmplices e ingênuos."
É difícil afirmar se Wyllys também não se utilizou de sua opção para fins políticos e convenientes. Pode-se dizer que foi pioneiro na tática de usá-la ou ser beneficiado por ela na disputa do BBB que venceu, em 2005.
Foi a partir dessa plataforma que se projetou como candidato defensor da diversidade, de casamentos entre pessoas do mesmo sexo e pautas afins, que o projetaram para três eleições de deputado federal. (Saiu do país antes da posse na terceira, em 2018, sob alegação de estar sendo ameaçado de morte.)
Ele é mais ou menos pioneiro e exemplo de uma geração de assumidos que foi ganhando espaço nos parlamentos, pela opção e a causa da opção. Sem que tivessem que demonstrar outro talento além desse.
- Jair & Jean: Entenda a 'doença' que une a dupla do ódio, Bolsonaro e Wyllys
- Jair & Jean: Entenda a 'doença' que une a dupla do ódio, Bolsonaro e Wyllys
A própria pinimba com o governador do Rio Grande do Sul agora pode também estar contaminada de ação política. Uma reação ao mal estar pelo fato de a direita estar tomando uma pauta que, como direitos humanos, aborto e liberação de drogas, tem soado como monopólio da esquerda.
Leite tem o mérito de não tê-la usado, além de sua plataforma administrativa, para se eleger. Mas é também difícil saber se não a está utilizando para fins políticos, agora.
Explodiu do dia para a noite, não pelos seus méritos de administrador de algum respeito, mas por ter assumido a condição de gay em entrevista no Conversa com Bial. Com isso, ultrapassou João Doria na disputa interna pela candidatura à presidência da República dentro do PSDB.
Sua repercussão não tem a ver com sexo, mas com autenticidade. O jovem e sereno governador do Rio Grande do Sul acenou com o que falta a Doria.
O governador de São Paulo tem certo jeito de nota de 3 reais, por, entre outras coisas, o tom de locutor que trata todo mundo como telespectador de poltrona e o excesso de marketing.
Sua pressa para antecipar dados, datas e fatos, para garantir a melhor foto, pulverizou seu principal ativo eleitoral, a primeira vacina aplicada no braço de um brasileiro, aguardada como a salvação nacional de nossa maior tragédia.
Não seria o fim do mundo, se também não fosse um gestor com fama de truculento e um político inábil que triturou suas relações dentro do partido e a influência do poderoso colégio eleitoral de São Paulo.
Foi comprar briga logo com o comandante informal do partido, Aécio Neves, que vem lhe comendo pelas bordas em direção a qualquer outro candidato que não saia de São Paulo.
Ter se declarado gay poderia não ter sido bom para Eduardo Leite se não houvesse uma demanda por um candidato autêntico dentro do partido. Se Doria estivesse suprindo a demanda, navegando a pleno vapor pelas decisões certas, a opção talvez não tivesse surtido tanto efeito.
Até onde Leite está sendo de fato autêntico é uma questão interessante, de saborosa especulação e difícil comprovação.
Sabe-se que não existe gesto inútil em política e sobretudo em políticos experientes, como já parece ser o caso do governador.
É uma raça em que a intuição treinada para reagir com sabedoria a pressões cotidianas de toda ordem acaba se transformando num mecanismo espontâneo. A ponto de parecer espontaneidade o que, no fundo, é método.
Importa pouco, porém, num momento em que aos erros de Doria se soma a oportunidade de uma sociedade conservadora que atingiu novos patamares de tolerância.
Que Eduardo Leite se propague como gay e ganhe respeito em todas as instâncias, inclusive dos velhos conservadores de seu partido, é curioso sinal do avanço para uma normalidade que avança rápido, apesar de preconceitos e das reações a cada vez que os movimentos de gênero, como o LGBTQIA+, tentam arrombar a porta.
Como escrevi no artigo anterior: Avassalador, movimento LGBTQIA só não pode quer arrombar a porta.
Até um ponto em que, espera-se, ser gay — ou lésbica, trans, bi ou interssexual, queer, assexuado, negro, mulher ou deficiente — não seja ativo eleitoral.
Ainda é. E tomara que Eduardo Leite seja o último.