Pela primeira vez, uma atleta subiu ao pódio da Olimpíada e aproveitou a projeção da vitória mundial para fazer um protesto, como fazem muitos dos vencedores no Oscar.
A americana Raven Saunders, prata em arremesso, negra e gay de 25 anos, cruzou os braços sobre a cabeça no que chamou de "cruzamento de onde todas as pessoas oprimidas se encontram".
Disse em seguida que usava o momento para dar visibilidade "às pessoas de todo o mundo que estão lutando e não têm plataformas para falar de si mesmas".
A reação é contrária ao espírito de uma competição que nasceu na Grécia nos quase 800 anos antes de Cristo para celebrar a paz em cerimônias religiosas entre guerras.
Desde que reabilitada pelo Barão de Coubertin no século XIX, evoluiu para congregar povos de qualquer identidade e lugar, sem diferença de raça, origem ou condição social.
Seu resultado mais belo é fazer a humanidade sonhar, ainda que no breve espaço de sua realização a cada quatro anos, com a utopia de que qualquer um, com esforço individual, pode e deve chegar ao topo, independentemente de quaisquer diferenças.
Em havendo, de cor, condição econômica ou mesmo de orientação sexual, que é um conflito bem moderno, que elas possam conviver em harmonia.
Por isso, o comitê organizador sempre proibiu protestos. Porque seriam o anti-espírito olímpico, uma sabotagem aos esforços ainda que ilusórios de que todos podemos disputar e lutar por um lugar ao sol em clima de paz.
O que Raven fez foi debochar do objetivo. Tem suas razões para achar que o mundo é injusto e criou outras para dizer que a Olimpíada é uma farsa para buscar a igualdade. Afrontou.
É um detalhe, talvez uma bobagem de minha parte, um preciosismo por conta de um espírito irritado com tanta impostura, mas não foi a primeira vez que o discurso identitário subiu ao pódio metafórico da competição para embasar uma farsa.
O halterofilista trans neozelandês Laurel Hubbard disputou em igualdade de competições o levantamento de peso na categoria feminina, tendo sido um atleta mediano até oito anos atrás, aos 35 anos, como homem.
Na disputa com mulheres, que historicamente não passam dos 220 quilos de recorde, sua testosterona de nascença que dá aos homens potencial de bater recordes de 300, ganhou vantagem indiscutível. Ou, ao menos, projeção mundial em cima de uma esperteza.
Ainda não é pacífico que o limite de testosterona imposto pelo comitê garanta igualdade entre um levantador de peso homem e uma levantadora de peso mulher.
Mas foi o suficiente para amansar todo o universo pensante nos meios de comunicação, inclusive no da militância LGBTQIA+, que o aplaudiu pela conquista sem se perceber também desrespeitada. Tem um ser de testosterona acima da média tomando o potencial delas.
Da forma que a tocha anda, com tanto silêncio conivente, vamos acabar aceitando que diferenças são um problema nas Olimpíadas, como acabou se transformando em filmes do Oscar.
Daí, vai ser um salto triplo carpado para defender cotas e privilégios que as reparem, não por mérito e esforço, mas por arranjo político.
No limite, na melhor das hipóteses, vão defender disputas entre levantadoras trans e arremessadoras negras. Na pior, cotas trans em competições masculinas ou femininas, de mulheres em competições de homens e vice-versa ou de negros em todas as outras.
Mas será o fim do tal espírito olímpico. Ou ele é mesmo uma farsa e levamos mais de dois milênios para descobrir?
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