Jornal Estado de Minas

POLÍTICA

Voto impresso é única bandeira de Bolsonaro, depois do fiasco das outras

O voto impresso na urna eletrônica é a grande e última grande bandeira de Jair Bolsonaro, depois de ter perdido todas as outras por circunstâncias e más escolhas de uma vocação autoritária, desinteressada de buscar consensos.







Tinha se elegido com três grandes, que foram para o buraco:

Liberalismo. O homem que iria tirar o Brasil de Brasília e o Estado do cangote dos empresários não conseguiu vender um prego e ampliou estruturas e gastos públicos. Para ficar em dois exemplos que prometeu extinguir, TV Brasil e Bolsa Família. As reformas de Estado e a pauta de costumes com que esperava dourar a pílula de seu credo libertário morreram de inanição por falta de base parlamentar.

Fim do fisiologismo. O idealista que prometeu e tentou um Ministério sem barganha política e uma máquina pública sem aparelhamento entupiu o governo de militares, derrubou ministros por pressão da família e fechou negócio com o Centrão. Para ficar em dois exemplos, foi o que mais pagou emendas parlamentares e criou um Orçamento paralelo para ser tocado pelos caciques do Congresso.

Fim da corrupção. O moralista que cavalgou o ódio ao PT, prometendo uma cruzada definitiva contra o crime organizado nos morros e em Brasília, encarnada na presença do juiz da Lava Jato no principal Ministério, arrostou assim que as denúncias de corrupção bateram no calcanhar dos filhos. Não apenas derrubou o símbolo como, para ficar em três exemplos, interviu na Polícia Federal, esvaziou os órgãos de controle e escolheu um procurador engavetadeiro.





Como nunca viveu sem uma bandeira para esquentar a militância na sua campanha eleitoral intermitente desde que tomou posse, foi criando outras, periféricas, que tivessem o mesmo potencial de polêmica.

Pôs o país em fúria com suas propostas de posse de armas, escola sem partido, legalização fundiária, intervenção universitária, exploração de terras indígenas, isolamento zero e imunidade de rebanho.

Todas se esgotaram, por resistência natural de uma sociedade refratária a viradas de mesa, fisiologismo da elite governante no Congresso, no Judiciário e no funcionalismo público, má vontade ou militância nos meios de comunicação.

E, claro, na maior parte, por seu estilo autoritário, desinteressado de buscar consensos. Pelo contrário, vocacionado para estressar os limites e se vender como perseguido pelo sistema, no mesmo objetivo de campanha permanente.





Precisava de outra, urgente.

A do voto impresso foi a possível, de que havia se esquecido desde que a defendera em 2015 (há vídeos na internet com forte adesão de Rodrigo Maia à ideia) mas que se tornara inconveniente na eleição que venceu, sem ela, em 2018.

É o que tem de mais recente e promissor para energizar a tropa de apoio que, com tantas bandeiras e pautas furadas, também foi se desminlinguindo e perdendo sentido.

Nela investe um tipo de fúria que parece superior a todas as anteriores, porque premido por pouco tempo até a eleição, os maus resultados do governo e o grande cerco que se formou em volta.

Da CPI da Pandemia, do STF e do TSE, depois de exauridas todas as possibilidades de contê-lo e esgotada a criatividade um tanto cínica das notinhas de repúdio por trás das quais se acovardavam as principais autoridades da República.





Sua guerra quixotesca tem trincheiras reais agora e adversários com cartas na manga. 

Seus excessos vão bater na barreira formada pelos dois inquéritos provocados pelo TSE, que, no limite, podem acarretar denúncia de crime de responsabilidade ao Congresso e impugnação de sua candidatura à reeleição.

Pela primeira vez, é possível que ele se contenha. Não para desdizer o que disse, com a teimosia de sempre, mas para modular a bandeira conforme a música tocada pelos adversários no manejo de armas reais.

É quase certo que, na Brasília onde todo mundo joga, o ministro Alexandre Moraes do STF e os procuradores do TSE, responsáveis pelos inquéritos na trincheira, vão também modular o passo e cutucá-lo com vara curta a cada vez que ele dobrar a aposta.





Uma apreensão de documentos aqui, uma requisição de quebras de sigilo ali, uma convocação para prestar depoimento acolá. Um pouco menos que a CPI, a intenção é, mais que desgastá-lo, mostrar quem manda.

Pelo menos até a campanha eleitoral, quando algum candidato ou partido poderá pedir a impugnação de sua candidatura.

Bolsonaro sabe disso, embora só pareça burro debaixo do instinto suicida. Suas primeiras manifestações ontem, depois dos inquéritos, não foram simples reprise das bravatas para testar os limites, como se noticiou. Mas algo calculado.

Fez questão de isolar o alvo em Luís Roberto Barroso, de forma a reduzir a potência de seus ataques de fato golpistas a uma pinimba do ministro do STF, agora presidente do TSE, mentor dos inquéritos.





Embora saiba que Barroso não agiu sozinho para minar o empenho pelo voto impresso no Congresso e tenha hoje dez de 11 ministros do STF querendo comer seu fígado, não foi besta de expandir o raio da briga.

Preserva as instituições, STF e TSE, para não melindrar ainda mais alguns de seus membros e manter algumas pontes de que vai precisar para esvaziar esses inquéritos lá na frente. Como sempre acontece.

Com boa dose de mentira, claro, indispensável numa encenação dessas.

Desconversou que se tratavam apenas de direito de opinião, quando na verdade pregou textualmente um golpe, ao dizer que "não haverá eleição", depois de já ter dito que não passaria a faixa presidencial sem o voto impresso.

Colocou Barroso no topo da conspiração para bancar a volta de Lula ao processo eleitoral, quando se sabe que a anulação das condenações do ex-presidente foi capitaneada por Gilmar Mendes, com quem costuma tomar cafezinho e pode lhe ajudar a sair da atual enrascada.





Embora eleitor de Lula, Barroso, pelo contrário, sempre votou contra seus interesses, sobretudo a favor da questão seminal de prisão após a condenação em segunda instância. Que Bolsonaro, pelo menos até quando a lei chegou na família, foi a favor.


Num sinal de que parece o mesmo, muito útil na imagem que entrega a seus apoiadores na internet, Bolsonaro ainda ameaçou com a convocação de novo ato a favor do voto impresso. 


De novo parece estar sendo Bolsonaro e outra vez mantém a chama eleitoral acesa, mas circunscrita ao que agora chama, dissimuladamente, de "direito de opinião". Não é só isso.

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audima