Jornal Estado de Minas

MÍDIA E PODER

Algoz de Bolsonaro, STF também comete excessos inconstitucionais

Não é preciso se alongar sobre os excessos por demais conhecidos de Jair Bolsonaro para colocar o país em perigo a cada semana.

Só nas últimas três, pela ordem, ameaçou não ter eleição sem voto impresso, pediu o impeachment de dois ministros do STF e replicou um manifesto golpista dos líderes dos protestos programados para 7 de setembro.



Canais bolsonaristas investigados pelo TSE apagam vídeos com ataques

Mas convém se alongar nos excessos do Judiciário e do STF em particular, que não tem merecido a mesma charanga da inteligência entrincheirada nos meios de comunicação tradicionais e mais influentes.

Para ficar em três casos mais retumbantes:

Mantém preso há mais de ano um jornalista, Oswaldo Eustáquio, sem processo, sem culpa formada, sem direito de defesa.

Prendeu um ex-deputado e presidente nacional de um partido, Roberto Jefferson, sem flagrante, única condição prevista na Constituição.





Proibiu 11 sites e canais de opinião de receber seus anúncios de empresas privadas através das plataformas de redes sociais.

Nesse último caso, tão assustador quanto os outros, é como se sites consolidados como O Antagonista ou Os Divergentes, jornais como o Estado de Minas, a Folha de S. Paulo e o Globo, fossem proibidos de receber o dinheiro de seus anúncios provenientes do Google.

Nessa hipótese, o ministro interpretaria a opinião deles sobre a baixa transparência do TSE no caso da invasão de hackers, por exemplo, como se formassem uma quadrilha para disseminar ataques ao sistema eleitoral. E descesse o porrete antes de ouvi-los.





Todos vivem hoje principalmente dos anúncios do Google postados aleatoriamente no meio de textos, posts e vídeos, como os que você aqui no meio dos meus parágrafos, entre posts do Instagram ou Facebook, no início e meio dos vídeos do Youtube.

São anúncios privados, selecionados pelo algoritmo segundo as preferências ou hábitos de navegação do internauta, que remuneram, em caso de clique, a plataforma e os sites/canais que os veiculam. 

Não se trata de dinheiro público, como se erroneamente acredita. Não há como o governo dirigir anúncios diretamente a eles, como faziam os governos passados, sem qualquer aferição de audiência e eficácia.





Donos de sites e youtubers vivem dos cliques da audiência que cavam, nas curtidas e compartilhamentos que inspiram. Sua repercussão é produto da vontade soberana de quem gosta. Salvo uso de robôs a punir, não há crime ou organização de quadrilha nessa disseminação, como parece acreditar o ministro que mandou asfixiá-los.

Ainda que tenha provas a respeito de que a opinião possa ser interpretada como apologia de crime, não se concebe que a asfixia financeira de um empreendimento de comunicação privado, fora das eleições, seja da competência do TSE e que alguém possa ser privado de seu negócio sem acusação formada e culpa individualizada.

Oswaldo e Jefferson têm culpa no cartório, ainda que sejam espertos e calejados o suficiente para dar flagrante ou motivo de interpretação de crime. Merecem/devem ser ouvidos pela justiça em processos regulares de investigação, acusação e defesa.





Mas entre os canais asfixiados por Salomão, tem o Te Atualizei, de Bárbara Destefani, em que não se vislumbra nenhum crime. Seja nos vídeos que tratam de sua opinião sobre a polêmica do voto impresso ou nos que debocha do processo das fake news tocado unilateralmente por Alexandre de Moraes no Supremo.

Bolsonarista ferrenha de 1,3 milhão de seguidores e vídeos que ultrapassam isso em visualizações, ela só pode ser acusada, se é possível, do crime da irreverência. Não acusa, não agride, não faz apologia. Embora sua opinião possa ser discutível, é como o que se diz sobre as nádegas: todo mundo - e todos os canais, sites e jornais - tem.

Dona de casa que toca o canal com o marido e a filha, na única renda da família, já foi bloqueada e desbloqueada nas outras vezes em que a cabeça e a mão pesada de Alexandre de Moraes, só elas, entenderam que estava passando dos limites.





No último vídeo em que praticamente se despede do canal e em importante entrevista que dá a jornalistas de Os Pingos nos Is, da Jovem Pan, se pergunta com alta carga de razão: "O que foi que eu fiz?".

O leitor que juntar Bárbara Destefani, Roberto Jefferson e Os Pingos nos Is têm os elementos suficientes para me chamar de um passador de pano do bolsonarismo, dado que analistas, sites, canais e jornais têm hoje caras bem distintas.

Não avaliei as últimas postagem de outros youtubers mais ladinos e de fato apologistas que namoram com o perigo, como Allan dos Santos, Oswaldo Eustáquio e mesmo os de Olavo Carvalho, guru de todos que se encontra entrevado numa cama de hospital em São Paulo.





Mas acho mesmo que, tecnicamente, a graciosa Bárbara com sua verve e seus óculos de estudante míope daria uma ótima entrevista no Jornal Nacional ou no Fantástico, se os veículos tradicionais não preferissem o silêncio nesses casos.

Na primeira hora, apoiei as ações de Alexandre de Moraes, ainda que houvesse alta polêmica sobre o disparate do inquérito em que a vítima investiga, acusa e julga, sigilosamente. E ainda inventa um tal "fragrante continuado" para prender além do fragrante propriamente dito, que nenhum estagiário de direito endossaria.

Era uma questão política urgente diante do massacre impiedoso, criminoso mesmo, que essa gente vinha cometendo contra pessoas e instituições, a partir de orquestração de dentro do Palácio pela equipe de jovens malucos que Carlos Bolsonaro trouxera da eleição. Com a complacência vergonhosa da polícia e da Procuradoria Geral, na pessoa da então delicada e igualmente omissa Raquel Dodge.





Tome-se o caso de Sérgio Moro, cujos memes massacrantes de sua reputação foram aprontados dentro do Palácio assim que se despedia de Bolsonaro e dava a entrevista coletiva de sua saída do governo. Informe-se sobre o massacre no mínimo misógino à repórter da Folha de S. Paulo, Patrícia Campos Mello, que desvendou a cadeia de comando por trás do esquema ilegal de disparos em massa pelo WhatsApp.

Quando li e escrevi sobre seu livro A Máquina do Ódio, depois que Eduardo Bolsonaro e o pai a lincharam publicamente ("ela deu o furo"), me convenci de que Dias Toffoli tinha feito o certo ao abrir o inquérito e nomeado sem sorteio Alexandre de Moraes para tocá-lo a serviço do país.

Estavam tão certos, que os próprios autores do massacre, tão corajosos e tão envolvidos na apologia de derrubada do regime, apagaram centenas de postagens da noite para o dia e baixaram a guarda. Até o ponto em que o clima desanuviou e se instalou o mínimo de civilidade possível na terra até então sem lei das redes.





Leia a resenha: Como se construiu a máquina de ódio que elegeu Bolsonaro e dividiu o país

Mas hoje estou igualmente convencido do contrário, que o poder absoluto de Moraes está sendo corrompido absolutamente e inspirando seguidores, como Luís Roberto Barroso que teria indicado os 11 nomes e canais a seu discípulo Felipe Salomão.

Caminhamos para um cenário complicado, em que o juiz escolhe os investigados e, como pega muito mal atacar de ofício, pede à Polícia Federal para investigar às pressas e pedir cadeia, já que não pode contar com os préstimos do substituto de Dodge, Augusto Aras. É o que, dentro do STF, se acusou Sérgio Moro de fazer em relação a seus meninos da Lava Jato.

As tentações de Bolsonaro são puro reflexo da cena. Maluco como seus rapazes instalados num gabinete de provocações virtual, mas instintivo como toda a raça que cata voto, ele interpreta a má vontade sabida na sociedade contra esse Judiciário.





Não por essas firulas jurídicas contra direito de opinião, que não incomoda o eleitor preocupado com a janta. Mas um estado geral de impunidade que esse poder inspira como nenhum outro, a partir da avalanche de decisões emblemáticas de proteção a poderosos.

Para ficar na mais recente, o festival de habeas corpus e anulações de processos da Lava Jato, que soaram como um tapa na cara da sociedade que em sua maioria torcera por eles ao longo dos últimos anos. 

Coroado pela absolvição dos principais advogados envolvidos nela, atolados num esquema de R$ 160 milhões recebidos sem comprovação de serviços da Federação do Comércio do Rio, blindados pela Segunda Turma liderada por Gilmar Mendes na mesma terça-feira em que Bolsonaro desfilava seus blindados menos inofensivos em Brasília.

Problema de Bolsonaro é sua seletividade. Bate nos dois ministros, Barroso e Moraes, que não podem prejudicá-lo mais do que já prejudicaram e se omite sobre os que já o ajudaram e ainda podem ajudar.





Dias Toffoli foi determinante para dar foro especial a seu filho Flávio no caso das rachadinhas que se deram no Rio de Janeiro, confirmando decisão do mesmo Gilmar Mendes, e tornar sem efeito informações valiosas do Coaf dentro do processo.

Gilmar, como sempre antes e em todos os governos, transita entre os palácios para influir até nas escolhas dos futuros ocupantes do STF e conversando com advogados e envolvidos nos processos que vai julgar. Do que acusava Moro.

Se tivesse interessado mesmo em suspender as tentações de golpes que ele percebe no Judiciário, Bolsonaro poderia começar por aí. Os conflitos de interesse que vão além de suas decisões e que não são poucos. Os dois têm relações a explicar sobre ações em que eram sabidamente suspeitos.





Ou, indo um pouco mais longe, poderia acionar seus fiéis do Centrão para montar uma comissão ou mesmo CPI que se debruçasse nas relações do que não seja direito de interpretação, pelo qual são legalmente inimputáves.

Ele, Brasília, os mundos político e jurídico sabem que há sobre o que acusá-los além dos processos. Roberto Jefferson vivia falando até a véspera de sua prisão da "Vivi do Xandão", referência à mulher de Moraes, insinuação que encobre uma frondosa árvore genealógica de interesses dos ministros e seus parentes nos escritórios de advocacia de Brasília.

Que a ninguém, a começar de Bolsonaro, parece interessante aprofundar.

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audima