De sábado para cá, mais especificamente, a movimentação de Jair Bolsonaro e de suas lideranças na preparação dos atos de Sete de Setembro deu sinal de que se trata mais de um caso de marketing eleitoral do que de golpe contra o regime.
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Vaca dourada, Petrobras só engorda governos e mercado financeiroFracasso de Guedes é também o de um projeto de país impossívelBolsonarismo de Bolsonaro prejudica comparação com Kalil na economiaSete previsões para 22 e por que não se considera Ciro na terceira viaLiberdade de expressão deixou de ser valor absoluto para liberaisNo país da nota pronta, autoridades enfrentam Bolsonaro com notinhasAs caravanas de todo o país são puxadas por candidatos às eleições do ano que vem, políticos e youtubers interessados em selfies, financiadores das bancadas temáticas principais que dão apoio a Bolsonaro no Congresso.
Que ficaram conhecidas, com alta carga de preconceito, de Bala, Boi e Bíblia, para designar, não só as corporações militares, o agronegócio e os evangélicos, mas uma base fiel que é cara, corpo e mente do seu ídolo.
É esse grupo que puxou sua eleição e o segura nas horas de aperto no Congresso, aferrado menos no que ele pode lhes dar do que pode evitar, o lulopetismo, do qual os três grupos têm ojeriza incontornável.
Pelo menos dentro do bolsonarismo, em que está a maioria, são mais à direita e avessos à pauta de esquerda do petismo a que atribuem a demonização de seu trabalho, sua propriedade e seus valores. As PMs têm trauma da defesa dos direitos humanos em favor dos criminosos. Os proprietários de terras, das invasões do MST. Os fiéis, da relativização dos valores de família.
A seu jeito simplificador e muitas vezes entorpecido de preconceito, mas de alta eficiência, Bolsonaro conseguiu despertar neles esse ódio mal adormecido.
Mais que isso, expandir para o grosso da sociedade a ideia de que a esquerda fiel ao lulismo é a culpada pela relativização moral que ampliou a sensação geral de insegurança e desagregação familiar, nas ruas, na fazenda, nas escolas ou dentro de casa.
Ao convocá-los para as ruas nesse 7 de Setembro, em todas as oportunidades que pôde no último mês, ele está dizendo mais do mesmo.
Centrado com inteligência intuitiva num inimigo comum, o STF (já foi o Congresso, até cooptar o Centrão), que estaria o impedindo de fazer o que deve ser feito para restaurar a segurança e a moral da família brasileira.
Sobre esse tripé, ele arregimenta uma larga faixa da sociedade, afinada no mesmo diapasão, que explica o arrastão que leva atrás desse trio elétrico, neste feriado, caminhoneiros, pequenos empresários, youtubers de sua tropa também afinada nas redes sociais, homens e mulheres do espectro conservador.
Para todos eles, ainda não importa a falta de convergência entre o que ele acredita e o que defende. Continua apostando nele, a despeito de não ter cumprido a maior parte de sua pauta de campanha, do liberalismo ao combate à corrupção, que atribui à obstrução dos outros poderes.
Teve muito disso também. Do boicote real do primeiro presidente da Câmara Rodrigo Maia, no primeiro ano e meio de governo, pré Centrão. Da má vontade do STF que lhe impingiu uma decisão desfavorável por semana desde a posse (136) segundo levantamento recente. Da marcação cerrada da imprensa.
Mas teve, sobretudo, ele mesmo. Muito do seu desastre, como se sabe, decorreu de seus erros colossais na condução da pandemia, da sua falta de habilidade para convencer e congregar, de sua falta de filtro para fazer inimigos semanais.
Como que, apesar de tudo, provoca tanta paixão e adesão que as motociatas gigantescas atestam e devem ser comprovadas nos atos desta terça-feira, é mistério a ser desvendado por pesquisadores e jornalistas dispostos a olhar com humildade para o fenômeno.
Não cair na facilidade de acusá-lo de manipulação, que é o mais comum em quase tudo que se lê a seu respeito e das multidões que arrasta. Ou no preconceito de ser seguido por uma turba inculta, o "gado", a que políticos e alguns analistas arriscam por preguiça de pesquisar e argumentar melhor.
Minha humilde contribuição ao estudo, produto de minha observação ao redor, sem base científica e predisposição, é que ele sugere um tipo de autenticidade pessoal, no jeito tosco e sem filtro que o diferencia muito do padrão estabelecido pelos políticos.
O da dissimulação que é uma segunda natureza da raça, como na frase de Millôr Fernandes que gosto de repetir: "por mais hábil que seja, o político acaba cometendo alguma sinceridade".
E o tipo de honestidade clássica, outra matéria prima rara no panorama político brasileiro, que seus obstinados relacionam certamente ao mesmo estilo pessoal de brucutu. E não necessariamente às evidências do que ele fez no verão passado.
Para essa massa de proporções que pesquisas eleitorais, acadêmicas ou jornalísticas ainda não apuraram devidamente, os deslizes do seu entorno familiar, das rachadinhas comprovadas em seus gabinetes parlamentares, são roubo de merenda em convento perto do que se ficou sabendo a respeito de seu principal adversário nas eleições do ano que vem.
Vão para as ruas sem culpa a esse respeito, mais preocupados com crenças do que com corrupção. As crenças do adversário, sobretudo. Estão naquela situação em que, independentemente do que seu mito possa dizer, provar ou comprovar, o que está em jogo é o que evitar na próxima eleição.
Não descarto os riscos embutidos em alguma provocação que possa degenerar para tumultos que sirvam de motivo para se acusar a direita de golpe ou a esquerda, também nas ruas, de sabotagem.
Que não devem ser debitados à conta da maioria, porque não é estratégico a nenhum dos dois lados dar motivos. Golpe? Não vejo espaço e nem clima além do noticiário.
Para Bolsonaro, já tendo conseguido a mobilização que conseguiu e o apoio com que pode contar eleitoralmente, também não é estratégico.
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