Já escrevi em algum lugar que seria melhor que Lula tivesse ficado escrevendo artigos para o New York Times, como quando deixou o governo, ou fosse defender a liberação da maconha como Fernando Henrique Cardoso. Ou abraçar árvores, com a Marina Silva.
Poderia aceitar uma candidatura a vice figurativo, como fez Cristina Kirchner em situação semelhante à sua na Argentina, na campanha vitoriosa de Alberto Fernandez.
Ideal é que Gilmar Mendes não tivesse anulado todas as suas condenações na Lava-Jato. Com pelo menos uma, seria impedido de ser candidato e poderia passar o resto da vida fazendo lembrar os tempos de bonança do seu governo, que animam seus números eleitorais.
Participaria de todas as campanhas futuras como articulador privilegiado nas sombras e iria tirar mais fotos na praia com Janja, numa velhice cômoda de eterno salvador da pátria que só não a salvou dessa vez porque a Lava-Jato não deixou.
O presente de grego do STF tem a ver com a campanha sangrenta que vai enfrentar, para lembrar tudo o que quer esquecer, num cenário mais intolerante do que nunca com a esquerda, suas pautas e sua visão de mundo. E diante de uma militância de direita beligerante que nunca enfrentou, como digo neste artigo.
E agora, para piorar, confirmando suas piores expectativas, tem Sergio Moro como candidato.
Era natural que a margem estupenda a seu favor nas pesquisas fosse desidratada no processo natural de decantação da campanha e do crescimento de intenções de outros candidatos, ainda que pífias. Um mínimo de pulverização de candidaturas iria desinflar seus números.
Ele tinha explodido nas indicações, desde que teve seus processos da Lava-Jato anulados, como alternativa quase automática a Jair Bolsonaro, muito pelo fervor da sua militância, mas também pelo deserto de outros nomes com alguma chance.
O quadro já havia mudado bem, pelo menos desde setembro, com a subida de Ciro Gomes para a terceira posição e o silêncio de Bolsonaro, que sempre lhe traz mais votos nas pesquisas do que a fala.
De tal forma que a última do PoderData, que transpira o que se sente no panorama das outras, indica que o petista bateu no teto das indicações espontâneas, quando não se apresenta o disco com os nomes dos candidatos, que sugere certa fidelidade do eleitor.
Voltou para sua margem histórica de 33% do eleitorado, de onde historicamente não cai nem que saia pelado na rua.
É o terço que se contrapõe ao outro terço que vota em seu oposto e ao terço do meio, que vota em qualquer um diferente dos dois extremos, onde Moro vai catar voto. Seus 42 a 45%, de quando se apresenta o disco com os nomes, tem cara de teto também, de onde tem mais chances de desinflar do que de inchar.
Mas a chegada de Sergio Moro na disputa, porém, é seu inferno particular. Ele abala as pretensões da maioria dos candidatos da terceira via, de Ciro Gomes particularmente, de quem já toma o terceiro lugar, e em especial as suas, mais do que de Bolsonaro.
Não é um caso de intenção de votos, que será menor que a de Lula até as eleições, mas o retrato parado de um contraponto que é absolutamente desconfortável para o petista.
Sua presença mesmo muda na cena, nas pesquisas, no noticiário ou no horário eleitoral, faz mais pela campanha contra ele do que tudo que poderia ser dito pelos outros adversários.
Costuma-se dizer que Lula o destruiria num debate, do que não duvido. Mas mesmo seu silêncio num debate eventual e improvável com Lula iria plasmar no inconsciente coletivo tudo o que o petista fez no verão passado.
Não se descarte nunca o malabarismo de Lula, que pode chegar às eleições com um arrastão de apoios políticos que Moro nem sonha alcançar e arrastar a campanha para os pontos vulneráveis de Moro.
Que não são poucos. O menor é a alegada imparcialidade com que a militância de seu partido, de parte da imprensa, do Congresso e do STF o massacraram. Sua inexperiência e seu salvacionismo podem soar meio ingenuidade numa eleição que busca candidatos experientes que saibam do que estão falando.
Mesmo no caso do liberalismo econômico, que Sergio Moro vai encarnar como sua antítese na sombra do espectro político mais à direita e mais Bolsonaro, Lula poderá dar aulas de que o mundo já não funciona mais bem assim. Que o capitalismo de estado que professa, de proteção ao capital e esmolas para os pobres, é o único viável neste país atrasado. Como de fato tem sido.
Seu problema maior continua sendo se confrontar com um espelho que é péssimo para a sua biografia. Vai para a eleição com muito mais a perder do que a ganhar.
Se ganhar no voto, tem um país inadministrável em que, como também já escrevi aqui, vai ter que fazer tudo o contrário do que pregou em campanha. Vai ter fazer cortes, reformas e, como sempre, alianças com o diabo.
Vai ganhar perdendo, cercado de desconfiança e má vontade da minoria derrotada, entrincheira com a nova militância de direita nas redes sociais. E se arrepender amargamente de não ter ido para a praia com a Janja.
O que não ocorre com Moro, que não precisa ganhar. Está nisso para dar uma higienizada na biografia, enlameada mas também projetada pela campanha furibunda de lulistas e bolsonaristas, que não soube enfrentar.
Está para ganhar, mesmo perdendo. Não quer dizer que não vá chegar lá com projeto, equipe e mais jogo de cintura do que tem agora. A história já provou, como admitem seus maiores adversários, que de bobo não tem nada.
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