Há poucas semanas, li sobre duas estratégias petistas para amenizar as principais fragilidades da campanha de Lula, nos meios e no discurso.
Seu instituto começaria um tipo de curso para formação de lideranças no manejo mais competente das redes sociais e ele teria recomendado à militância esquecer a pauta de costumes e não cair em provocações da militância bolsonarista.
- Não vamos cair em armadilhas - disse a um grupo de correligionários, ao lembrar que os temas são caros às esquerdas, mas que não serão determinantes nessa campanha como foram em 2018.
Pelo contrário. No artigo em que tratei da defasagem da esquerda em relação à militância digital de direita, dias antes, aduzi que ela cavaria sua sepultura eleitoral se insistisse nesse negócio de direitos humanos, identidade de gênero e questão racial.
Com os quais ela deu novo colorido ao desgastado discurso da desigualdade, aproveitando a deixa de que mulheres, negros e gays são mais discriminados também financeiramente. Mas para os quais o universo da centro-direita nas redes está a postos, com sangue nos olhos.
Como vox lula vox dei, já se percebe uma baixa de guarda a respeito desses temas no tribunal da internet, ao mesmo tempo em que ele passou a enfatizar em toda oportunidade a questão em que é autoridade na nossa história política, o combate à fome.
Não perde oportunidade de puxar qualquer entrevista ou palestra para o tema, do qual fez piece de resistance no samba que deu nas mais de duas horas da entrevista de alta repercussão ao Podpah.
Entre dados estatísticos, metáforas exuberantes e suas experiências de faminto na infância, voltou a se vender como quem acabou com a fome no país e teria condições de eliminá-la de novo. Ainda que não tivesse de fato acabado totalmente, quando deixou o governo.
Para além da inadequação da apologia de costumes que só a esquerda não via, porque é da sua natureza só falar para si mesma, ele já deveria estar percebendo com seu faro de águia o que anda nas bocas, anda nos becos, estão falando alto pelos botecos.
E voltou às pesquisas eleitorais como o principal problema para o brasileiro. Muito acima da questão da saúde suscitada pela pandemia e da corrupção, que foi carro-chefe da campanha de Bolsonaro contra o PT, entendida não só como financeira quanto de costumes.
O diretor do DataFolha, Mauro Paulino, lembrou muito bem a O Globo que quase metade da população, que tem renda de até dois salários mínimos, reduziu a compra de frango, legumes, feijão e laticínios, enquanto muitos sequer conseguiram substituí-los por ovo.
- Isso quer dizer que a grande maioria, que decide a eleição, está tentando sobreviver. Quanto mais pobre o eleitor, mais pragmático é o voto. (...) Esse eleitor vai escolher o candidato que mostrar mais condições e vontade política para resolver isso.
É algo que vai mais fundo do que mostra o noticiário sobre inflação com recessão encomendada pela farra dos gastos públicos aprovados pelo Congresso, em parceria com o governo, sobre o pano de fundo de pobres catando comida no lixo. E evoca os bons tempos de Lula.
Bolsonaro, que tem lá seus instintos enviesados mas da mesma cepa de quem fareja voto ou a falta dele, não empreendeu à toa a guerra do Auxílio Brasil que vai piorar as contas públicas.
Precisa dele para tentar ofuscar a fama do Bolsa Família e equilibrar o jogo com Lula na disputa pelos pobres. Ainda que seja muito difícil, mesmo com a mais competente das campanhas de marketing.
Nos últimos dias, como quem vem sentindo o tranco, ensaiou justamente uma guerra de costumes para ver se acende a militância nos propósitos que lhe deram a vitória na eleição de 2018.
Aproveitou a campanha por André Mendonça no STF para ressuscitar o discurso de mais conservadores na Corte e empreendeu nova batalha contra restrições coletivas ou individuais pela obrigatoriedade da vacina.
Atacou os passaportes vacinais e eventuais lockdowns, tanto quanto as prisões arbitrárias e tentações de censura do ministro Alexandre de Moraes, para repisar seu conceito de liberdade, cabo de guerra de seus ataques à esquerda progressista.
Com nenhum sucesso, por enquanto. Sua militância, como a de Lula nas redes sociais, parece mais preocupada com o inimigo mais imediato, Sergio Moro.
Que vem se consolidando na terceira posição nas pesquisas e trabalha com a hipótese não desprezível de chegar a 15% em dezembro e a 18% em março. De onde vislumbraria a possibilidade de tomar o lugar de Bolsonaro na disputa com Lula no segundo turno.
Apesar de suas inúmeras limitações, de forma e conteúdo, ele é o pior adversário que ambos poderiam ter. Odiado pela militância dos dois lados, encarna contra qualquer dos dois a ideia de plebiscito contra um monte de coisas que o eleitorado majoritário não quer.
Com ele, pode até ser que a fome fique em segundo plano. Que o combate à corrupção em que ele é autoridade indiscutível se sobreponha como uma outra forma de combater a miséria em que o país está atolado, em todos os sentidos.
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