Jornal Estado de Minas

RAMIRO BATISTA

Doria é o melhor substituto de Bolsonaro que a direita pode desejar

A direita vem crescendo a olhos vistos desde os primeiros movimentos de rua sem PT em 2013, que influenciaram o impeachment de Dilma Rousseff em 2016 e a eleição de Jair Bolsonaro em 2018. Mas também em termos eleitorais.

Artigo dos cientistas políticos Vinícius Silva Alves e Antonio Lavareda na Folha de S. Paulo, a partir do livro deste com Helcimara Telles, mostra como cresce desde as eleições municipais de 2012 e influencia as seguintes, para governadores e presidente da República.





Nessa altura, com base no seu desempenho majoritário nas municipais de 2020, apontam que será fator determinante da eleição de 2022, com o qual centro e esquerda devem se preocupar. 

Para além disso, defendo que a parte dela que não quer Lula e não perdoa Bolsonaro (40%, segundo as pesquisas) busca um substituto para o populista de extrema direita que alimentou como nenhum outro candidato suas expectativas em 2018.  

E não vejo na praça nenhum candidato com melhor figurino para suprir essa demanda, arrastar os desiludidos e mais os 30% de iludidos com Bolsonaro nas pesquisas, do que João Doria.

Contra a unanimidade dos respeitados analistas nacionais, devo ser o único que acha que ele não está morto e nem que o picadeiro armado por ele para se desincompatibilizar ao governo de São Paulo tenha sido coisa de amador.





Ele transformou um evento que passaria por burocrático no maior acontecimento político da temporada e atraiu uma repercussão nacional que ainda não havia tido. 

No padrão Doria de cinismo e falta de escrúpulos que tem feito toda a diferença em sua carreira e, como já escrevi mais de uma vez, é determinante em política nos políticos vitoriosos, em especial nos nossos trópicos.

À maneira de Nelson Rodrigues, repito: "Muitas vezes é a falta de caráter que define uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos."

Somada à sorte da morte da candidatura de Sergio Moro (virtú e fortuna, valor e sorte segundo Maquiavel, lembrem-se), deve ganhar mais alguma atenção nas próximas rodadas de pesquisas. 

Solto para criar fatos, sua especialidade e sua vocação marqueteira militante, deve chegar em junho, nas vésperas das convenções partidárias, muito melhor do que desejam seus concorrentes e adversários na terceira via.





Acresce que não é um aventureiro solto, sem partido, sem experiência e sem projeto. Pelo contrário, tem um partido sólido com capilaridade, experiência comprovada de bom administrador no mais influente estado da federação e um discurso que supre o que a maioria do eleitorado anda procurando.

Ele é a melhor cópia do Jair Bolsonaro que a direita poderia desejar para repetir 2018, sem os erros e os disparates colossais dele. 

Tem as mesmas ideias liberais econômicas, a mesma intuição para defender valores tradicionais — família, tradição, propriedade — que não necessariamente exerce e, sobretudo, o discurso virulento contra o PT que ajudou a definir o jogo e deverá continuar influente em outubro próximo. 

Como a larga vantagem de que não errou como ele na pandemia, pelo contrário, não se aprofunda em temas polêmicos que só desgastam (armas, aborto, identidade de gênero), não ataca instituições e não sofre acusações de corrupção, rachadinhas e distribuição irregular de verbas públicas.





Não duvido que tenha as mesmas vocações para os erros, como sinaliza a falta de limites para triturar aliados, adversários e formalidades civilizatórias, nas ocasiões em que suas ambições foram testadas. Minha impressão é de que não teve ainda tempo e oportunidade de cometê-los.

Cara de um e focinho do outro no essencial, nas possibilidades e na coragem para erros e acertos, como nenhum dos outros candidatos mais viáveis da terceira via. Mais afinado com o jeito de ser Bolsonaro do que os companheiros de partido em Brasília que, não por acaso, se acumpliciam com o governo.

Nas condições atuais, não acredito nos bons modos dos dois representantes da terceira via mais cogitados depois da saída de Sergio Moro: Simone Tebet do MDB e seu concorrente Eduardo Leite dentro do partido, no caso de conseguirem dissuadi-lo a desistir por falta de voto





Não será ainda uma eleição para senhores e senhoras elegantes, de discurso politicamente correto e pudores de chutar canela. Os bons sentimentos, de que falava Nelson Rodrigues. Que Doria não tem.

Pode ser que, a certa altura, cresçam em cima de uma demanda nacional, também legítima, de conciliação e paz social. Mas até onde a minha vista alcança, a projeção pública passa hoje pelo modo Bolsonaro de polarização agressiva e contínua nas redes sociais, com que Doria tem mais afinidades.

(Beto Altheholfen, um dos gênios do marketing digital que fez da Empiricus a maior empresa de orientação financeira do país, vê a internet com um caldeirão de apelos como aquela esquina do centro da cidade cheia de ambulantes, distribuidores de panfletos e painéis humanos anunciando compra de ouro. Para ser percebido nesse meio, é preciso sair pelado e gritando.)





O mais próximo disso é Ciro Gomes, também com experiência, partido mais ou menos capilarizado (sem a dimensão do PSDB) e a virulência anti-petista ampliada por também certa falta de escrúpulos, aprendida com seu marqueteiro João Santana.

Pesa contra ele, porém, o viés de esquerda que não está bem na moda e já tem dono (Lula, que não agregou Geraldo Alckmin à toa) e uma personalidade dúbia, que passa por contraditória. Apesar da lógica interna de suas ideias, por turrice e algum tipo de vaidade, não se alia a nenhuma corrente majoritária, seja de ideias ou de pessoas. 

Comprou uma briga desnecessária que não era sua com Sergio Moro e seus eleitores, entre os quais angariava alguma simpatia, afinidade e consistência para uma hipótese alternativa. É sintomático que esteja isolado das conversas e acordos da terceira via.





(Falta de lado e clareza é outra debilidade altamente punível no novo mundo das redes sociais, sobretudo nas de política.)

Doria tem, nesse aspecto, o grande defeito/virtude da obsessão pelas mesmas ideias e o mesmo objetivo. Não vacila desde que se meteu a candidato a prefeito, em 2016, com pretensões de chegar ao governo de São Paulo e à Presidência da República.

É meio cego para os obstáculos, à maneira dos sonâmbulos na frase de Hitler: "Sigo o meu caminho com a precisão e a segurança de um sonâmbulo.” Leia meu artigo: Oratória e mente de messias explica poder hipnótico de Hitler

Muito Bolsonaro, não? 

Preparado, estruturado, financiado pelas burras próprias e do PSDB, marketeiro instintivo de objetivo claro e obcecado pelas ideias adequadas a seu público, sem medo algum de parecer de direita, tem onde crescer e crescer mais assim que começar a crescer.

É o efeito espiral, que torna os vencedores altamente atrativos desde Maquiavel e atrairá até os ex-aliados mais resistentes, mesmo os hoje interessados em inviabilizá-lo, como a turma de Aécio Neves e Eduardo Leite.





Se chegar bem em junho, terá mais cacife que todos os outros candidatos da terceira via para se apresentar como o Bolsonaro ideal, o que deu certo, para afastar o Bolsonaro queimado, de grandes dificuldades para enfrentar Lula. 

Estará mais preparado que os outros para liderar a disputa pelo patamar inicial de 40% dos eleitores que não querem o capitão ou o petista. Aí é com ele e as oportunidades de projeção que virão, como a mais determinante delas, as entrevistas de 10 minutos do Jornal Nacional em agosto.

Se chegar lá, seu único adversário de peso e oratória para substituir Bolsonaro será Ciro Gomes. Que não terá dificuldade de adaptar o discurso mais à direita, se entender que convém. Mas Doria continuará com a vantagem de ter mais a cara da maioria, mais interessada, ao que tudo indica, na direita raiz.





Só teria contra seus intentos, em princípio, a fama merecida de antipático e superficial, do tipo que conversa discursando e dá coletiva como mestre de cerimônias, de nariz e alguns degraus acima da plateia.

Ainda assim, convém não se esquecer que sua falsidade de manequim de loja, único dado que o diferencia da aparente autenticidade de Bolsonaro, nunca o atrapalhou no seu sucesso empresarial e nas duas grandes eleições que disputou. 

E, convenhamos, se simpatia fosse quesito indispensável, Dilma e o capitão que tenta substituir não teriam sido eleitos.

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