Jornal Estado de Minas

RAMIRO BATISTA

Por que PSDB quer trocar Doria por coisa alguma, em dez pontos



Do que leio, ouço, especulo e consolido, sobre o imbroglio do PSDB que tenta rifar seu candidato João Doria, em reunião da Executiva nacional, nessa terça-feira:

1 - Candidatos a governador, senador, deputado federal e estadual do partido temem ser dizimados pela alta rejeição de João Doria nas pesquisas, a mesma  de Jair Bolsonaro, em torno de 60%, mas apenas 3% de indicação de votos. Preferem queimar o dinheiro do fundo eleitoral nas campanhas parlamentares e ficar liberados para apoiar quem estiver na frente, Lula ou Bolsonaro. 





2 - O presidente do partido Bruno Araújo, em especial, teme pela eleição do governador que substituiu Doria em São Paulo, Rodrigo Garcia, já meio dizimado pelas pesquisas sob o peso dessa rejeição. Para ele, como os demais de norte a sul do país, seria mais confortável cabalar voto de lulistas e bolsonaristas.

3 - Cabo eleitoral de Rodrigo Garcia e associado do cacique Aécio Neves contra João Doria desde as prévias, Araújo participou das articulações para a fantasia de um candidato único da terceira via, a ser definido a 18 de maio (essa quarta-feira) em acordo do partido com o MDB de Simone Tebet, o Cidadania de Roberto Freire e o União Brasil de Luciano Bivar e Sérgio Moro.

4 - Na semana passada e vésperas da data limite, porém, a cúpula do partido sob pressão de Araújo resolveu desmontar as chances de seu candidato com uma pesquisa eleitoral de resultado já sabido sobre as chances e o grau de rejeição dos candidatos — o calcanhar de Doria.





5 - Que tratou de chamar a jogada pelo nome, golpe, em carta aberta, onde reafirma, também com toda razão, que é o candidato natural e legal do partido por ter vencido as prévias. Cita os vários pontos do estatuto que garante a homologação do vencedor na convenção e, na melhor parte da carta, diz que a pesquisa verdadeira, direta, as prévias, já foi feita com os filiados.

6 - Embora dê o nome certo, Doria não pode chamar totalmente de golpe a proposta do encontro de quarta-feira com o qual concordou e de onde esperava, possivelmente, sair candidato com apoio de Simone Tebet. Não o contrário. Tem a seu favor que o encontro já tinha perdido o sentido com a retirada dos potenciais candidatos, Sérgio Moro e Luciano Bivar, e só lhe restaria a camisa de força do MDB.

7. Seu principal argumento é a utopia da proposta em nome de um potencial alheio que não se pode aferir e de uma candidatura que pode não se confirmar. Trocar um candidato com 3% nas pesquisas por uma de 1%, Simone Tebet, que mal sabe se terá apoio para ser lançada por seu partido, historicamente parasitário de quem está na frente e rachado atualmente entre Lula e Bolsonaro. (E com as mesmas afinidades do PSDB com o fundo eleitoral.) O PSDB teria que homologar Doria como seu vice, em julho, sem saber se ela seria confirmada na convenção do MDB, em agosto. Seria trocar seu candidato prévia e democraticamente aprovado por nada. 





8 - No sábado, Doria recebeu o apoio inesperado de Aécio Neves, seu inimigo figadal desde que defendeu sua expulsão do partido e o enfrentou nas prévias em favor da candidatura de Eduardo Leite. Em entrevista à Folha de S. Paulo, um tanto tardiamente, defendeu o respeito às prévias na convenção e foi secundado pelo honorável Fernando Henrique Cardoso e pelo outro cacique relevante do partido, Tasso Jereissati.

9 - O tucano não acredita mais em outra hipótese dentro de sua agremiação ("Eduardo Leite já está cuidando do Rio Grande do Sul") e parece convencido de que é melhor uma carta na manga que nada. Quando o nada pode ser algo ainda pior, o esfacelamento de sua base em Minas Gerais, que tenta juntar seus cacos na candidatura de Marcos Pestana e precisaria de um nome nacional para não se entregar facilmente a Lula ou a Bolsonaro. 

10 - Mais ou menos a favor dos chamados golpistas, que tentam derrubar Doria na convenção contra o escrutínio das prévias, está que não custa negociar com grandeza para se chegar a um ponto menos suicida para todo mundo, como disse o sensato senador José Aníbal. Mas toda negociação, a essa altura e da forma colocada, tem cheiro de oferecer ao enforcado o direito de escolher o tamanho da corda.





Boa parte da lambança que envolve homens tão espertos agindo como estudantes se deve à guilhotina do 18 de maio, que se impuseram num raro momento de irracionalidade.

Por um desespero mais ou menos compreensível diante da impossibilidade quase matemática de furar a polarização entre Lula e Bolsonaro e boa dose de precipitação juvenil.

Por azar de todos, os dois líderes das pesquisas, presidentes ex e atual de grande recall, têm 80% de votos consolidados, de eleitores que admitem não mudar mais de opinião. Considerando os 75% que têm juntos (40% a 35% ou 42% a 33% pró Lula), seriam 60% do eleitorado já comprometido.

Mas é precipitação de adolescente a cinco meses do baile, diante dos 40% indefinidos, de que os dois galãs da parada bateram no teto e da possibilidade real de que há um mundo de fatos determinantes ainda por vir e por projetar os nomes dos concorrentes na pista. 





No mínimo, as convenções de julho, as entrevistas de dez minutos no Jornal Nacional em agosto, a propaganda eleitoral e o 7 de Setembro, quando a campanha começa de fato, como vaticinava Hélio Garcia, sem nunca ter sido contestado. 

Fora isso, no afoitamento, parecem se esquecer da competência nata que têm para trair e cristianizar, como já demonstraram em pleitos anteriores, em que as burras do fundo eleitoral não se afiguravam tão afrodisíacas.

Aécio Neves já traiu os candidatos do PSDB em favor de Lula nas suas campanhas de governador, em 2002 e 2006, da mesma forma que Romeu Zema rifou o candidato do Novo em favor de Bolsonaro em 2018 e Doria fez o mesmo em São Paulo. 





Podem contar que Bruno Araújo e Rodrigo Garcia vão arranjar um jeito de cristianizar Doria atrás das tendências do eleitorado paulista, se preciso, como Zema deve fazer de bobo em Minas Gerais se se configurar a tendência  de ter voto também de Lula.

A situação é de fato complicada para os candidatos às eleições proporcionais, que dependem de candidaturas fortes para inchar o coeficiente eleitoral que lhes garanta mais cadeiras nos Legislativos. Mas esse deveria ser o preço a pagar pela dignidade de manter a fidelidade a seus princípios e aos partidos que escolheram de acordo com suas crenças. 

Algo meio velho. Mas, infelizmente, passada a fase de troca partidária, incontornável a essa altura. Que sejam felizes com o que lhes resta. Quem sabe a roda ainda gira a seu favor, com João Doria.

> Aqui, artigos anteriores da coluna.