Quis o destino e um Judiciário resistente a punir a turma do topo da pirâmide que Aécio Neves saísse do fundo do poço na mesma época e em condições muito semelhantes às de Lula: inocentado nos autos e nas pesquisas, como uma espécie de revanche de seus eleitorados.
Até ele mesmo ficou surpreso com o resultado da última pesquisa do instituto do Paraná, que o coloca na dianteira folgada para a vaga ao Senado por Minas Gerais, quatro anos depois de se refugiar num mandato de deputado federal, de votação apertada, em busca de imunidade parlamentar.
Tinha experimentado o inferno com a gravação de uma conversa com o dono da multinacional de carnes JBS, Joesley Batista, numa operação montada pelo Ministério Público de Rodrigo Janot, em proporções de desmoralização parecidas com a que sofria Lula, preso logo depois por 580 dias.
Mas, a seu estilo muito contrário ao de Lula, de comer pelas bordas sem enfrentamento visível, atacar para se defender, foi se imiscuindo calado no manancial de verbas do governo Bolsonaro, em postos periféricos da Câmara e em articulações que pudessem abater seus processos na Justiça. É dos poucos que Gilmar Mendes atendia, mesmo julgando um de seus processos.
A ponto de amplificar o prestígio bem remunerado das bases, que nunca perdeu, ganhar algum protagonismo dentro da Câmara como presidente da Comissão de Relações Exteriores, se livrar de seu processo mais cabeludo (o de Josley, arquivado teoricamente por falta de provas) e sair à luz do sol.
Ao contrário dos dias tenebrosos em que evitava os jornalistas que sempre frequentava, voltou a dar entrevistas sem medo e a cavalgar uma causa que lhe deu significativa proeminência e prestígio no último ano: abater a candidatura de João Doria em defesa de um nome promissor (Eduardo Leite) para a terceira via.
No episódio, voltou a ser o Aécio pleno que se notabilizou pela estupenda capacidade de articulação herdada do avô, as maldades e as manhas dos grandes líderes políticos como Lula, Getúlio, JK ou Tancredo, capazes de fritar o adversário em forno de microondas e parecer que nada tinha a ver com isso.
Até ele mesmo ficou surpreso com o resultado da última pesquisa do instituto do Paraná, que o coloca na dianteira folgada para a vaga ao Senado por Minas Gerais, quatro anos depois de se refugiar num mandato de deputado federal, de votação apertada, em busca de imunidade parlamentar.
Tinha experimentado o inferno com a gravação de uma conversa com o dono da multinacional de carnes JBS, Joesley Batista, numa operação montada pelo Ministério Público de Rodrigo Janot, em proporções de desmoralização parecidas com a que sofria Lula, preso logo depois por 580 dias.
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A ponto de amplificar o prestígio bem remunerado das bases, que nunca perdeu, ganhar algum protagonismo dentro da Câmara como presidente da Comissão de Relações Exteriores, se livrar de seu processo mais cabeludo (o de Josley, arquivado teoricamente por falta de provas) e sair à luz do sol.
Ao contrário dos dias tenebrosos em que evitava os jornalistas que sempre frequentava, voltou a dar entrevistas sem medo e a cavalgar uma causa que lhe deu significativa proeminência e prestígio no último ano: abater a candidatura de João Doria em defesa de um nome promissor (Eduardo Leite) para a terceira via.
No episódio, voltou a ser o Aécio pleno que se notabilizou pela estupenda capacidade de articulação herdada do avô, as maldades e as manhas dos grandes líderes políticos como Lula, Getúlio, JK ou Tancredo, capazes de fritar o adversário em forno de microondas e parecer que nada tinha a ver com isso.
João Doria, o candidato a presidente pelo seu partido, fez tudo certo e foi ferrado assim mesmo. Foi vítima de uma das trapaças mais calhordas da nossa história política, abatido antes da hora, em pleno voo - voo curto mas voo - pelas desculpas mais estapafúrdias, que nada tinham a ver com sua rejeição.
Armaram uma pesquisa desnecessária, uma aliança improvável com uma candidata com menos possibilidades que ele e sem sequer garantia de que pode ser lançada por seu partido, o MDB. A 60 dias antes da convenção partidária, onde deveria ser de fato testado. Não teve um minuto de sossego para tentar se viabilizar desde que venceu as prévias com que seus adversários, Aécio à frente, concordaram.
Seu maior erro, de longe, foi escolher o inimigo errado, muito errado. Egresso da vida privada, neófito em política, meio trator, ele não calculou o tamanho de Aécio, um político manhoso de 40 anos de estrada, que aprendeu tudo com o avô Tancredo Neves, daquele tipo, como se dizia, que tira a meia sem tirar o sapato.
Senhor absoluto do PSDB, o único que conseguiu de fato tomar o partido dos paulistas paralelamente a uma carreira pública muito bem sucedida, Aécio já era o inimigo que ninguém gostaria de ter, salvo Doria em sua conhecida onipotência.
Assim que ganhou projeção nacional depois da eleição vitoriosa ao governo de São Paulo, ele se assanhou a dominar o PSDB com um discurso de que uma nova geração chegava ao partido e incluía Aécio na velharia que precisava ser expulsa.
Aécio deu respostas protocolares e, a seu jeito, aguentou calado e respondeu pontualmente, porque andava desmoralizado. Mas foi ganhando corpo ao longo do ano, montado exatamente no cavalo de batalha que lhe faltava, oferecido por Doria.
A ponto de chegar ao fim do ano num processo de recuperação de imagem muito semelhante ao de Lula. E de estar a postos justamente no meio do processo das prévias tucanas, onde João Doria, por azar da sorte, iria precisar dele, muito. Ou precisar que ele não existisse.
No calor de seus plenos poderes, desinibido, colocou o bode na sala da candidatura do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite. Casava, a seu estilo, uma boa causa à causa própria, tendo farejado uma boa desculpa, a alta rejeição do governador paulista. Não fosse essa, entretanto, ele buscaria qualquer outra.
Doria ganhou as prévias, porque tinha recursos materiais mais pesados e - dizem - heterodoxos do que os de Aécio, articulado com o PSDB de São Paulo que interessava tirá-lo para dar seu cargo ao vice Rodrigo Garcia. Mas, a partir daí, Aécio não lhe deu um instante de sossego.
Desde e apesar da derrota nas prévias, cobrou de Doria um desempenho precoce nas pesquisas e tensionou com o nome de Eduardo Leite até a decisão com que o governador se defenestrou da sucessão, massacrado por um ambiente partidário totalmente hostil.
Nas vésperas de sua queda e antevendo o jogo, como é bem seu estilo, Aécio passou a defendê-lo, como que para retirar suas digitais de um movimento desastroso que pode levar o partido para a falência absoluta. Por pior que fosse ou menos perspectiva tivesse (embora não fosse verdade que não tivesse), o paulista é muito melhor do que o nada que o movimento liderado por Aécio engendrou.
Estava sendo Aécio ao modo Lula em estado puro, o articulador capaz de mover montanhas nos bastidores, colocar a cara em público quando convém e terceirizar a culpa quando a desgraça é chegada. Usou o PSDB de São Paulo quando lhe interessava, denunciou-o assim que idem.
E, sobretudo, não deixar nenhuma liderança crescer perto dele, se não tiver a sua benção. Doria era a primeira liderança que ganharia corpo nacional como ele e sem ele. Sobre quem não teria controle. Fosse candidato ou, na pior das hipóteses, presidente eleito, teria um papel periférico que nunca vislumbrou.
Tudo somado, está, como Lula, diante do clímax que sobrevêm a duas grandes viradas e um fundo de poço, que me remete à jornada do herói, uma estratégia dos filmes de Hollywood inspirada nos 12 passos da construção de mitos, que Joseph Campbell imortalizou num livro ainda insuperado, de 1949, O Poder do Mito.
Parte da premissa de que todo mito, de Jesus Cristo a Luke Skywalker, de Buda a Rocky Balboa, tem uma jornada em comum, que passa por duas viradas e um fundo do poço antes de caminhar para o clímax. O herói deixa a zona de conforto na primeira virada e vai ao fundo do poço, de onde sai para a segunda virada e o conflito principal, onde vai ter que escolher entre duas opções, matar ou morrer, e voltar para casa.
Projetado na zona de conforto da eleição para deputado federal, em 1986, em cima do nome do avô, deu sua primeira grande virada quando se elegeu por mérito próprio presidente da Câmara dos Deputados. Contra a vontade de Fernando Henrique Cardoso, porque rompia o condomínio que sustentava o governo nas duas casas do Congresso, Câmara e Senado, presididas em revezamento por PMDB e DEM.
Arrebentou o governo nos dois anos seguintes, mas projetou-se nacionalmente para três eleições e votações avassaladoras, ao governo de Minas e ao Senado, de onde saltou para dominar o partido nacionalmente e bater de frente com o condomínio formado pelo PT depois de três governos petistas.
Não foi presidente da República por pouco, contra Dilma Rousseff, em 2014, um tanto por conta da onipotência - também comum aos que chegam no seu estágio de poder - de colocar como candidato em Minas Pimenta da Veiga, um político velho, distante e desarticulado do grupo político que estava organizado para vencer as eleições.
Tinha um futuro mais que promissor, desabou ladeira abaixo a partir dali e até o fundo do poço que foi a malfadada gravação com Joesley. Acabou embolado com todos os políticos manchados pela Lava Jato, inclusive Lula, com quem também coincide de sair do fundo poço e caminhar para a segunda grande virada que vai dar no clímax.
Onde os heróis de filme precisam decidir qual caminho tomar e caminhar para um happy end, qualquer que seja a escolha. É a clássica jornada de herói, no sentido que já tratei nesse artigo de 2016, não por acaso, sobre Lula.
E que só acomete os candidatos a mito. Aécio pode não chegar lá (2026 é logo ali), mas já galgou os passos necessários para se candidatar a um dos grandes do panteão nacional, com as virtudes e os defeitos típicos desse tipo de herói. Ou anti-herói.