Até há umas duas semanas, Jair Bolsonaro achava que o Brasil era os 20% de sua militância fanática das redes sociais, somados ao grande empresariado urbano e do agronegócio.
Com ele e mais o pacote da PEC de bondades para atrair os reticentes pobres e mulheres, achava que tinha apoio e cacife para arrastar o restante da sociedade na composição do seu ideal de país, em que todos parecem querer uma ruptura institucional.
Os manifestos recentes pela democracia que arrastaram na verdade a parte mais robusta da plateia que julgava cativa - empresários e banqueiros - lhe disseram que não. E a outra parte, a do agronegócio, também começa a dizer o mesmo.
A Coalizão Brasil Clima Florestas e Agricultura, que reúne entre seus 300 apoiadores representantes de grandes empresas do agronegócio, divulgou nesta quinta-feira nota em forma de manifesto em que troca sua luta por desenvolvimento sustentável por democracia.
- Nosso movimento vem a público em apoio a uma bandeira sem a qual nenhuma das demais é possível: a defesa da democracia. Sem democracia não há desenvolvimento sustentável. Sem sustentabilidade não há futuro possível.
Ainda que haja grandes líderes empresariais ainda bolsonaristas e envolvidos no movimento por formalidade protocolar, das pradarias do centro-oeste mecanizado aos prédios chiques da Faria Lima, o quadro acena para um isolamento real do presidente e um recado em boa hora.
Empresários não rasgam dinheiro, não gostam da alternativa Lula da Silva e em geral não se preocupam com o que se vai pensar deles, se apoiam democratas, autocratas ou ditadores. Consciência social e política nunca foram suas prioridades.
Mas parecem ter chegado àquele ponto de perceber que as estripulias de seu favorito é ruim para os investimentos, bolsa e investimentos em queda. E de cair enfim na real sobre a enrascada em que se meteram em 2018.
O candidato que escolheram para erradicar a esparrela estatal e moral do lulismo é um liberal de fancaria, capaz de arrebentar numa madrugada de votação no congresso todo o arcabouço de racionalidade fiscal criado para dar alguma previsibilidade aos negócios.
E até quem sabe, numa hipótese remota mas não impossível, estejam tomando consciência social. Aprendendo que também têm responsabilidade com o arcabouço de legalidade e sanidade das instituições, que melhoram a finalidade do que fazem.
Manifestos sempre foram algo meio metafísico e desacreditado para eles, como tem sido para boa parte consciente da sociedade, desde que deixaram de mirar um inimigo em comum, o governo da hora, no tempo da ditadura militar, e passaram a tomar um dos lados nas disputas eleitorais.
Os últimos grandes e respeitáveis embalaram a luta pela democracia nos estertores da ditadura militar, entre o final dos anos 70 e até a campanha por eleições diretas, em 1984, espécie de grande manifesto não escrito que reuniu a vontade de uma nação inteira.
A partir da Constituinte e dos embates que colocaram o lulismo como polo aglutinador de certa luta contra “tudo o que está aí”, os signatários desse tipo de documento foram perdendo a dimensão de que Lula era mais um lado, não o único.
De tal forma, que todos os manifestos políticos desde a redemocratização tinham sempre a mesma cara, as mesmas assinaturas e a defesa das mesmas pautas que coincidiam, não por acaso, com as de Lula e as do PT.
Pode-se objetar que estivessem subscrevendo uma luta por valores e direitos universais contra as quais ninguém pode ser contra e em torno dos quais a esquerda teve o bom oportunismo de abraçar.
Mas o tempo fez ver também o quanto podem ser seletivos. Nunca se viu um manifesto das esquerdas contra a corrupção nos governos anteriores, como não se vê agora um a favor de causas em que acreditam piamente, como aborto, liberação de drogas e direitos LGBTQIA+.
Seria de grande contribuição ao debate eleitoral um longo e elucidativo manifesto sobre as razões de saúde pública do aborto, a conveniência de liberação de determinadas drogas como forma de combate ao tráfico, a ideia de que famílias de pessoas do mesmo sexo podem ser tão integras e felizes como qualquer outra.
Claro que não farão, porque não convém a essa altura do campeonato em que todo ruído ideológico precisa ser evitado para não atrapalhar a vitória de Lula no primeiro turno.
Os promotores dos novos manifestos tiveram, entretanto, a sagacidade de reunir nomes de peso de presença rara nos manifestos anteriores e diluir no meio deles os dos artistas figurinhas carimbadas que os assinavam e os contaminavam com seus interesses partidários.
Com isso, quase que restauraram clima e autenticidade da Carta aos Brasileiros de 1977, lançada na mesma Faculdade de Direito do Largo do São Francisco, ou mesmo das diretas-já, em 1984, que ajudou a precipitar o fim da ditadura militar.
Pode parecer exagerado, mas alguma coisa precisava ser feita para conter o clima perigoso que Bolsonaro vinha construindo em direção ao 7 de Setembro, como plataforma de uma campanha de ruptura mais dura em direção ao primeiro turno.
O fato de ter atacado como “caras de pau” e de “ sem caráter” os signatários mais proeminentes, seus tradicionais e mais influentes eleitores, é sinal de que acusou o golpe em contrário. Disfarçou mal a consciência do isolamento, que o encolhe entre a base fanática, os evangélicos, alguns lucianos hangs e a família.
E, vá lá, o Centrão. Mas esse, como se sabe, não é fiel. Vai ficar com ele até perceber que convém fazer como os empresários. Ameaçam, embarcam no clima e no barco alternativo. Que, pelo andar da carruagem, é Lula, a alternativa posta pelo STF, o principal eleitor do próximo 3 de outubro.
Ainda quero acreditar que as Forças Armadas, ainda não. Há um pequeno grupo de estrelados do Palácio, que alimenta irresponsavelmente as aventuras do chefe. Seu líder é o ministro da Defesa Paulo Sérgio Nogueira, confuso por conveniência sobre suas responsabilidades, alimentando a base das ameaças do presidente, a dúvida sobre as urnas.
Quero crer que estejam apenas empenhados num esforço de campanha, que me parece, na verdade, o fim último das pregações e das ameaças de Bolsonaro. É até onde vai, testando os limites como sempre, até o ponto em que tromba no paredão da opinião pública e recua. Mesmo que, lá frente, avance de novo.
Totalmente inadequado da parte dele e, sobretudo, dos membros das FAs. E é por isso que os manifestos emulando diretas-já acabaram por se tornar importantes. Imprescindíveis, aliás. E que o clima se mantenha como vigília até depois da apuração. Vai se preciso.