Não duvido que o pedido de vistas do ministro André Mendonça a 20 recursos, de forma a paralisar as investigações tocadas por Alexandre de Moraes contrárias a Jair Bolsonaro, seja parte do acordo de distensão do Palácio com o Judiciário.
Que começou esta semana com fortes sinais de aproximação do presidente com dois de seus principais desafetos: o próprio Moraes e o ministro do STJ, Luiz Felipe Salomão, que, como membro do TSE, foi quem suspendeu a monetização dos canais bolsonaristas no Youtube.
Os dois foram recebidos em gabinete com salamaleques — até presente de uma camisa do Corinthians a Moraes — e promessa de comparecer à posse dos dois, como presidente do TSE e corregedor nacional da Justiça, respectivamente.
Quer mais? Assinou nesta quinta a nomeação dos 17 novos desembargadores do novo Tribunal Regional Federal de Minas Gerais (TRF-6), agradando um monte de graúdos dos tribunais superiores. Tem pelo menos um indicado do presidente do STF, Luiz Fux, e outro do ex-poderoso presidente do STJ, João Otávio Noronha.
Os recursos às investigações tocadas por Moraes seriam analisados a partir desta sexta, em votação virtual, mas foram abatidos por Mendonça logo depois da abertura, à meia noite.
Com isso, o ministro sabidamente amigo do Palácio prorroga e ganha tempo para serenar os ânimos nos 50 dias que faltam para a eleição. Não deve ter feito sem ter calculado alguma boa vontade interna no tribunal.
Uma das certezas em Brasília é que não dá para fazer acordo com Jair Bolsonaro, que já descumpriu vários para calar a boca. Recua apenas taticamente quando passa aperto para voltar ao ataque quando acha que precisa energizar sua base radical.
É um recuo tático, como os tantos que vem fazendo desde sempre. A seu modo já gasto, previsível e de qualquer forma eficiente, de testar os limites e desacreditar seus críticos, sobretudo na imprensa. Quando emite sinais contrários ao que pregava, como é o caso emblemático de comparecer à posse de Alexandre de Moraes.
Quase sempre o mundo político e jurídico de Brasília cai na sua conversa, desavisadamente. Desta vez, porém, parece sentir que há motivos mais fortes para acreditar que ele tem mais a perder — ou sente que tem — e motivos para negociar com alguma sinceridade.
Embora deboche como coisa da esquerda os dois manifestos pela democracia que foram ao ar nesta quinta-feira no palco histórico da Faculdade de Direito da USP, ele acusou o tranco.
Não por causa do 1 milhão de assinaturas que de fato inclui muito oportunista de esquerda que não vê contradição em defender democracia e Nicolás Maduro ao mesmo tempo, mas por algumas poucas de seu eleitorado nobre, empresários e banqueiros.
Essas poucas entre as tantas tiveram o peso de lhe sinalizar que sua retórica incendiária tinha passado dos limites — inferniza o país a cada dia — e pondo em risco o que de fato o tira do sério: a perda real de parte importante de seu empório eleitoral.
É sempre o que o move, afinal. Como faz nesses casos, corre atrás do prejuízo, como percebo que veio fazendo desde o início da semana para recuperar o terreno perdido, não só pela aproximação com o Judiciário.
Nessa mesma semana, também:
1 - visitou banqueiros signatários dos manifestos,
2 - não contestou a canetada de Edson Fachin que expulsou um membro das Forças Armadas da comissão de acompanhamento das eleições no TSE,
3- não reclamou de o prefeito do Rio ter abatido sua pretensão de fazer o desfile militar do 7 de Setembro na superpopulada Copacabana e
4 - amenizou a retórica sobre as urnas, numa aula de serenidade sobre transparência do podcast Flow, o palanque de 9 milhões de visualizações, um dos principais fatos políticos da semana.
Quando chega nesse ponto de risco perceptível, não se importa de mudar o discurso, defender o contrário do que defendia e procurar desafetos. Tem muito de cálculo eleitoral, mas mais ainda de saliva pelo prazer de desacreditar seus críticos.
Seu deboche dos manifestos e a aproximação com o Judiciário estão nessa conta. A verdade é que disse o que disse e vem namorando desde o início de seu governo com tentações de golpe. Em essência, pode não ter mudado nada.
O cara que já defendeu claramente tortura e não tem vergonha de defender sua devoçao a um torturador clássico, Brilhante Ustra, fez um monte de acenos fortes por golpe, desde os protestos anti STF até o mais perigoso deles, a pregação ao vivo no 7 de setembro do ano passado.
Também por cálculo eleitoral, diga-se. Até então, mantinha o ritmo por acreditar piamente num bom valor eleitoral nessa pregação. Por sua miopia clássica, acreditava estar alimentando o Brasil que costuma confundir com suas redes sociais.
De sorte que é razoável avaliar que, se desse, faria o mesmo no próximo 7 de Setembro. Se a coisa corresse solta e crescesse a possibilidade de que a data se desdobrasse num golpe de estado, não acharia ruim. Pelo contrário.
Como não está dando certo e percebe sinais visíveis de estar deteriorando seu patrimônio eleitoral, sinaliza novo recuo. É seu mais forte sinal até aqui, na medida em que ficaram concretos seus prejuízos. Mas convém manter o alerta.