A posse de Alexandre de Moraes na presidência do TSE impactou como escândalo os jornalistas e as edições da mídia tradicional pelo indiscutível tom de revanche contra Jair Bolsonaro por um impressionante conjunto de representantes dos poderes da República.
Impressionou a concentração inédita de luminares do universo do poder político nacional numa posse do tipo — ex e atuais caciques dos três poderes entre quatro ex-presidentes da República e representações diplomáticas de vários países — pela afinação de propósitos.
Pelo tom e a disposição dos aplausos, fortes e de pé em determinados pontos do discurso furibundo de Moraes, sugeriu um forte sentido de coesão em favor da pregação do ministro e contra o presidente da República na luta que vem se travando em torno das urnas eletrônicas.
Foi quase como um novo ato de lançamento da Carta pela Democracia na Faculdade de Direito, na semana passada, uma missa de réquiem, mas encorpada pela presença homogênea e demolidora de um plêiade inédita de poderosos da República.
Só que… Como no caso da Carta e da reunião de Bolsonaro com embaixadores na pajelança internacional contra o sistema eleitoral, repercussão e deslumbramento midiático foi igual, mas o mesmo não se pode dizer sobre o impacto real na opinião pública, se negativo ou positivo para quem foi eleito a grande vítima dos episódios: Jair Bolsonaro.
Nunca estive tão convencido, lambendo o noticiário e a repercussão na blogosfera que vai das redes sociais aos aplicativos de mensagem do tipo WhatsApp e Telegram — também conhecida como esgotosfera — que a grande velha mídia tradicional perdeu de vez a influência sobre a opinião pública. Ou "o controle da narrativa", como se diz.
Acabou transformada numa mera produtora de fatos, em que a notícia também é um, o maior deles, que vão sendo reinterpretados, modificados, deturpados, gerando novas versões — ou "narrativas"— segundo a competência de cada bolha. A níveis cada dia maiores de sofisticação.
Ela se tornou uma nova bolha, mais uma, de um grupo que pode ser qualificado, a grosso modo, de uma elite pensante capaz de processar intelectualmente os fatos políticos. Os "formadores de opinião" que, até o passado recente, pré internet, disseminavam a mensagem do centro e do topo para a periferia e a base da pirâmide.
Mas sem mais o poder de disseminação ou controle sobre ela. Bye, bye, marqueteiros tradicionais. A informação produzida e mastigada por ela pelos influenciadores da origem, jornalistas e analistas, sobretudo, é reeditada e reproduzida em dezenas, centenas de milhares de subprodutos digitados e sua nova interpretação.
(De ontem para cá, anda bombando nos grupos uma montagem sofisticadíssima em que Renata Vasconcellos aparece dando o resultado da pesquisa Ipec no Jornal Nacional em números invertidos a favor de Bolsonaro: 44 a 32. As mesmas imagens e a mesma voz, reeditados com finesse.)
É impossível competir com essa rede no poder de traduzir e reinterpretar — e a cada vez com mais excelência e poder de multiplicação — um evento como esse da posse, nos mais diferentes tipos de abordagem e formatos.
Se foi de fato constrangedor para Bolsonaro, como foi, pode estar certo que está mais do que provado, repercutido e desmoralizado com cenas mais simbólicas do que o conjunto que a TV demonstrou. A imagem do filho Carlos sentado constrangido enquanto todos aplaudem é hoje um evento internacional, em todo tipo de meme, e não por culpa da Globo.
Mas também pode não ter sido nada disso. Contra memes sobre o constrangimento, há milhares/milhões de outros em contrário, para todo gosto, deturpando o sentido ou reinterpretando o desconforto presidencial como resistência aos poderes que, segundo essa bolha, não o deixa trabalhar.
Em qualquer dos casos, nada que possa resultar em algum prejuízo de imagem que tenha impacto no resultado das pesquisas eleitorais. Como provaram o chamado "vexame diplomático" do encontro com os embaixadores e o lançamento da Carta da Democracia, que seus promotores quiseram transformar num novo movimento Diretas-Já.
Há algum tempo, antes da avalanche das redes sociais e do WhatsApp em particular, eu costumava acertar muito o impacto de eventos como esses a partir do tratamento e da versão que lhe davam jornalistas, editores e comentaristas dos veículos tradicionais de imprensa.
Depois disso, como os velhos formadores de opinião desempregados ou os antigos marqueteiros deslocados no tempo como João Santana e toda a bobagem que anda fazendo para Ciro Gomes, passei a errar muito e a evitar projeções.
Porque não depende mais de mim ou de qualquer talento que eu tenha, fruto de minha experiência ou de meus dons premonitórios. Mas da mudança do jogo. Os grandes veículos da mídia tradicional que fizeram minha cabeça não têm mais a posse da bola. Só a colocam no centro do campo para o início da partida.
Para muito azar de Lula e de sua cúpula de campanha, é um jogo dominado por Bolsonaro e o bolsonarismo, a direita e o pensamento conservador de uma forma geral. Não só pelo talento dele e de sua turma, mas pelo tempo de estrada.
Há pelo menos dez anos que as organizações do tipo MBL descobriram o poder avassalador das novas mídias na mobilização para derrubar regimes, da primavera árabe ao impeachment de Dilma Rousseff. E pelo menos seis que Carlos Bolsonaro descobriu as bruxarias de Steve Bannon e usou o WhatsApp para demolir as estruturas na campanha do pai, em 2018.
Leia meu artigo: Engenharia do conflito faz revolução perigosa do marketing eleitoral
O PT e as esquerdas descobriram a roda há pouco mais de um ano. Cogitou estruturar e treinar, sem sucesso, uma risível rede de comitês de comunicação, ao modo antigo dos comunistas de controlar bairros. Só que apoio orgânico não se treina ou não se conquista em curto prazo.
Percebo o desespero da campanha lulopetista de se apegar a qualquer tábua de salvação para recuperar o tempo perdido. Como na obediência cega e meio constrangedora do entusiasmado velho petista às bruxarias de um jovem deslumbrado pelas novas ferramentas sociais, André Janones.
Com resultados pífios como era de se esperar em comparação às apresentações de Bolsonaro (impressionantes mais de 9 milhões de visualizações no podcast Flow em menos de uma semana, nove vezes o número de assinaturas recolhidas em semana na Carta da Democracia) e pelo menos seis anos de atraso.
Está no caminho certo. Mas não vai conseguir em 40 dias, até as eleições, o efeito desejado: criar uma rede de alta capilaridade, espontânea e engajada com a mesma paixão. Impensável que chegue e transforme o batalhão a postos dos tios e velhinhas do WhatsApp, enfileirados pelo capitão.
Janones comanda mais uma bolha, mais uma, para competir por espaço e ajudar a desmoralizar um pouco mais o poder de influência direta da velha mídia.