Jornal Estado de Minas

MÍDIA E PODER

Ciro encanta e até melhora nível do JN com oratória e projeto grandioso

Ciro Gomes é encantador pela presença de espírito, clareza de raciocínio, abrangência da informação, poder de síntese no diagnóstico dos problemas nacionais, consistência de propostas, visão grandiosa de futuro e sagacidade para se colocar como opção de alto nível à polarização.





E fica muito melhor quando posa de cordeiro manso e conciliador desde criancinha, como se fez apresentar na grande sala de maquiagem do Jornal Nacional, onde os candidatos se transformam publicamente como num camarim.

Mas é tão bom, brilhante e articulado, que acabou melhorando até os entrevistadores William Bonner e Renata Vasconcellos, que perderam diante de sua exuberância retórica a prepotência e o tom inquisitorial com que costumam rebaixar os entrevistados.

De tal forma que, ali, pelos 20 minutos, já tinha falado quase tudo, discorrido sobre projetos como quem vai governar por 50 anos, e deixado os apresentadores meio gagos e meio repetitivos. 

Gastaram um bom tempo circulando em torno do risco de sua capacidade de articulação com o Congresso, em vista de seu comportamento explosivo, negado e dissimulado no tom abaixo do seu padrão, nas mesuras, no riso fácil e na conversa de compadre com o telespectador.

Até o ponto em que Bonner caiu num modo meio barata tonta de cobrar-lhe o compromisso de não se candidatar à reeleição e, ao mesmo tempo, querer saber o quanto isso pode atrapalhar sua articulação com o Congresso. Cobrava, sem conseguir estabelecer se é bom ou não o candidato se comprometer a não se re-candidatar.





Acabaram servindo de escada desde o início e um pouco mais daí pra frente, meio em círculos. A primeira pergunta sobre o quanto seu tom agressivo pode atrapalhar a conciliação nacional lhe deu a primeira oportunidade de se reposicionar, prometer se corrigir e brincar com a pecha ao longo do programa. 

Ajudou que o candidato não tem teto de vidro que pudesse estimular o tom inquisitório dos entrevistadores e nem dúvida sobre suas respostas, em geral densas, concisas e de pouco espaço para contestação. 

Dá um show quando fala de forma absolutamente original de sua complexa reengenharia da Amazônia. E empolga quando sugere parecer tão fácil mudar radicalmente os costumes políticos do país a partir de sua proposta de articulação nacional com prefeitos e governadores endividados para enquadrar o Congresso e convocar a sociedade para plebiscitos.





Seu risco real é parecer às vezes meio visionário demais para quem não tem apoio algum, uma vice inexpressiva do próprio partido catada no desespero, e, pessoalmente, não ser compreendido pelo próprio telespectador, ao qual se dirigiu com elegância e lábia motivacional. 

Seu tom de metralhadora cuspindo muita informação e a prosódia um tanto intelectual beirando o economês não são facilmente digeríveis para a maioria, especialmente a dona de casa ansiosa para a conversa acabar e começar logo Pantanal.

É possível que alavancasse sua audiência para além dali e se transformasse numa grande opção  se tivesse tempo de sobra para "ditatizar", como diria, suas propostas de forte apelo popular, como acabar com as dívidas pessoais e transformar o Auxílio Brasil / Bolsa Família num direito constitucional permanente de renda mínima, de R$ 1 mil.





Além de "clarificar" suas divergências com os dois líderes da pesquisa, Lula e Bolsonaro, contra os quais tem grandes palavrões e argumentos que o tempo e o comedimento na TV impediram de expressar.

Me sugeriu um candidato mais talhado para os meios intelectuais, a velha esquerda mais democrata que se desiludiu com Lula. Não por acaso é para onde seu eleitorado volta se ele não crescer, segundo algumas simulações das pesquisas.

Tomara que a presença no jornal lhe dê mais alguns pontos que o faça aparecer mais que curiosidade nos próximos dias. E crescer para ganhar espaço para sua mensagem e quem sabe se tornar ainda uma alternativa à, nas palavras dele, "polarização odienta".





Mesmo que não tenha chances reais de se sobressair nas urnas aos dois líderes, cristalizados em 60% do eleitorado, considerando 75% dos 80% de votos indicados aos dois nas pesquisas. É com esse percentual de 40% de indecisos e mais seus 7% que ele conta.

Servirá para oferecer uma alternativa pelo menos aos que sonham. Para mostrar que, em algum momento da campanha, alguém compareceu com um projeto de país exuberante que a gente não sabia que era possível. E melhorar o nível. Até mesmo das entrevistas do Jornal Nacional.

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