De toda a algaravia midiática em torno do primeiro debate com os presidenciáveis no domingo, o consenso mais visível entre o grosso da elite influente, de analistas a assessores dos próprios candidatos, é de que a noite foi de Simone Tebet.
Como ficou largamente provado em tudo quanto é posição respeitável nas mídias velhas ou novas, Jair Bolsonaro passou a pior impressão da noite, atrás mesmo dos insignificantes Soraya Thronicke e Felipe D'Ávila.
E de Lula, a quem pretendia desmontar no primeiro salto na jugular, na primeira pergunta. Apesar de meio lerdo, reativo e de pouco brilho, Lula acabou visto melhor na comparação inevitável com o presidente tosco e um tanto desequilibrado. É muito difícil ser pior do que ele.
Com o cerco aos dois líderes, cerrado a Bolsonaro e mais leve a Lula, o desempenho muito competente dela, somado ao de Ciro Gomes, jogou um fachozinho de esperança na malfadada terceira via que tentou se erguer como alternativa à polarização cristalizada nos dois presidentes.
Quaisquer pontinhos angariados sob os holofotes que vêm obtendo, desde as entrevistas no Jornal Nacional, na semana passada, subtraídos do teto meio estagnado de Lula, têm potencial para levar a disputa para o segundo turno.
É o mesmo exercício teimoso de esperança dos últimos meses. De uma faixa não desprezível de cerca de 40% de indecisos, considerando os 60% de votos consolidados nos dois líderes nas pesquisas — 75% dos 80% que dizem estar decididos a votar neles, só neles.
É sintomática a certeza sobre a vitória de Simone Tebet, admitida desde a pesquisa qualitativa simultânea do Datafolha a analistas de respeito à direita e à esquerda. É curioso que tenha sido destacada mesmo que Ciro Gomes tenha tido um desempenho tão bom quanto.
Tem sabor de torcida por mais uma hipótese de terceira via, como se o candidato pedetista, numa apresentação quase impecável, já fosse outra carta fora do castelo que foi desabando desde o início do ano com Eduardo Leite, Sérgio Moro, João Doria…
Os estatísticos de opinião pública provam que tendemos a procurar por informações por aquilo ou pelo candidato em que estamos mais interessados, num círculo virtuoso que favorece o que ou quem está na ponta.
Eleitores de Lula ou de Bolsonaro terão mais interesse em buscar informações em rádio, TV, canais de internet, programas ou entrevistas em que eles estarão envolvidos ou potencialmente beneficiados.
Não é coincidência que as aparições de Bolsonaro e Lula no Jornal Nacional tiveram as maiores audiências recentes da Globo, com repercussão respectiva nas redes sociais. Que Ciro Gomes, terceiro colocado nas pesquisas, tivesse vindo em seguida.
Simone, até então menos conhecida, ficou num quarto lugar mais distante, como nas pesquisas, segundo a regra de que o potencial de crescimento dos candidatos está diretamente relacionado ao de seus torcedores em procurar por eles. Quanto mais torcedores, mais procura.
Tem a ver também com viés de confirmação, nome que os cientistas de comportamento dão à tendência dos humanos de isolar informações que confirmem suas crenças e recusar as que lhes contradizem. Para nos sentir confortáveis com nossa autoimagem, tendemos a escolher e ratificar só o que confirma o que pensamos.
Segundo a Wikipedia, "as pessoas são tendenciosas de forma a confirmar suas crenças pré-existentes", na "tendência de se lembrar, interpretar ou pesquisar por informações de maneira a confirmar crenças ou hipóteses iniciais". "Tendem a interpretar evidências ambíguas de forma a sustentar suas posições já existentes."
No livro Autoengano, que resenhei neste artigo para entender a polarização, o novo acadêmico Eduardo Gianetti da Fonseca fala do instinto ancestral do homo sapiens de se enganar por não suportar a dor de estar errado e sobreviver com conforto na selva das relações e da política.
– A política é o grande laboratório de viés de confirmação, na medida em que você filtra o que não te fere, em que as pessoas só leem, só absorvem, só legitimam aquilo que reforçam o que elas preferem acreditar.
Como acrescento: "Num estado de polarização e de críticas exacerbadas, onde a autodefesa por sobrevivência procura proteger a reputação, você procura e aceita apenas o que reforça o que acredita. E filtra espontaneamente, não de caso pensado, tudo aquilo que contraria ou que possa comprometer aquilo que você deseja acreditar”.
É bem certo que os sonhadores por uma terceira via estejam querendo acreditar em Simone e a estejam isolando de outras possibilidades, como Ciro Gomes, sua símile mais próxima em consistência, experiência e carisma, sem maiores manchas no currículo.
E passando a procurar por informações que confirmem seu favoritismo. É razoável supor que, depois do debate, tendo aflorado como boa, melhor ou última hipótese de terceira via pela qual se sonhava desde o início do ano, aumente a demanda por informações a seu respeito.
Mais que isso: por informações que confirmem que vem vencendo. Está na mira de novos torcedores interessados em procurar por ela e confirmar suas crenças e sonhos de terceira via.
Ciro tem poucas chances aí, por melhor que se apresente. Já foi provado, testado e parece rejeitado como hipótese.