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Estado de Minas MÍDIA E PODER

De cerveja e de torresmo para resolver guerras e compor ministérios

Depois de prometer resolver a guerra da Ucrânia com cerveja, Lula vai engolindo Lira, Pacheco e metade de Brasília como se estivesse tomando chope com torresmo


05/12/2022 12:00 - atualizado 05/12/2022 12:21

Torresmo com limão e cerveja
(foto: Freepik)


Logo que começou a guerra da Ucrânia e o mundo ainda mal digeria a impotência dos organismos multilaterais para frear a monstruosidade de Vladimir Putin, Lula fez saber em discurso vibrante que bastaria uma roda de bar, com caixas de cerveja, para resolvê-la.

Não duvido de nada de Lula, para o bem ou para o mal, desde que foi ao fundo do poço e dele ressuscitou para dar uma das mais extraordinárias voltas por cima da história política mundial, como se tivesse tomando um chope com os velhos amigos.

Entre tantas informações valiosas e excitantes das primeiras páginas de sua última biografia, Lula, de Fernando de Morais, vi o retrato acabado do homem que envelheceu jovem sem perder a serenidade em meio às mais terríveis tormentas.

A seu jeito montanha russa de emoções, o autor conta como ele ia conspirando calmamente ao celular na traseira do Ônix que o levava para o sindicatos dos metalúrgicos de Diadema, em fuga da sentença de prisão de Sergio Moro, enquanto comboios de carros, motocicletas e helicópteros, de políticos, jornalistas, rádios e tv, aceleravam e sobrevoavam embaixo e em cima para conseguir o melhor ângulo.

Até o momento clímax do final do primeiro dia de vigília no sindicato, a sexta-feira cercada por uma multidão furiosa pronta para emparedar a polícia, em que vencia o prazo de 24 horas dado por Moro para que se entregasse. Todos desesperados para criar uma saída e ele sentado calmamente com um dos grupos que passaria consolando noite adentro. Não era com ele.

Então Gleisi Hoffmann ouviu de uma copeira a sugestão de que se inventasse uma missa pela passagem de um ano e pouco da morte de sua mulher Marisa Letícia, no sábado pela manhã, de forma a adiar por mais um dia — e sabe-se lá até quando — a obediência à ordem de Moro. 

Excitada com a ideia, a presidente do PT interrompeu sua conversa para oferecer-lhe a estratégia como a descoberta da pedra filosofal, apesar do alto grau de risco de afrontar uma decisão judicial que estava nas bocas e nos jornais das mais altas autoridades do país e da imprensa. Ele mal se virou e só respondeu apenas um:

— Ok, tudo bem, pode providenciar.

Assim, com o mundo desabando lá fora, o prazo da justiça, dos homens e de deus se esgotando, e ele se virando para os amigos, para continuar a conversa, como se aquilo tudo fizesse parte normal do percurso da vida. Que há um tempo para tudo e que, na hora certa, quando for preciso, ele agirá.

Quem assistiu seu discurso de redenção, cercado de todos os amigos que já fez na política e diante da multidão encarcerada como ele, já no sábado à noite da rendição, viu que tinha bebido além da conta. E que caminhava para o cadafalso de Moro, como caminhou ao final protegido por seu próprio povo, com a certeza feliz e sonâmbula dos bêbados.

É possível que Putin e Zelenski acabassem vencidos pelo cansaço e até deixassem a vodka pela cerveja barata de boteco, diante da capacidade de convencimento de tal interlocutor sem noção de tempo e perigo. De absoluto controle da situação quando saboreia o prazer de estar a uma mesa de negociação, desde os tempos de macacão no sindicato. 

Não duvido por isso que alguma coisa ele vai fazer por esse país, para o bem ou para o mal. É tão obcecado e focado para perseguir em suas escolhas, sem parecer que está correndo, que pode nos levar para o paraíso ou para o buraco, com a mesma intensidade e a mesma tranquilidade. 

Se der errado, vai dizer que não foi com ele e vai nos convencer, embora saberemos que foi. Com umas caixas de cerveja, de preferência, antes, durante e depois das reuniões com os ministros e os políticos do Centrão, que também levará no gole. 

Como já vem levando, antes mesmo de tomar posse. Não sofre nem um pouco e ri como ria na coletiva da última sexta-feira em que negou sorrindo um Ministério para a companheira de lutas Gleisi. Mesmo sabendo que tem na mesa uma lista de 417 pretendentes a ministros.

Já tomou umas virtualmente com Arthur Lira e outras com Rodrigo Pacheco, rindo do PT que queria formar uma frente contra o primeiro. Fechou apoio a ambos na eleição para as presidências da Câmara e do Senado e vai arrastar mais da metade de quem importa em Brasília, em menos tempo do que se espera. No tempo de consumir mais umas caixas.

Só recomendo que acrescente torresmo, que compõe com a cerveja — depois da cachaça — uma das combinações mais extraordinárias já descobertas pela humanidade depois do café com queijo curado, a goiabada cascão com queijo fresco e banana caramelizada com sorvete de creme. Invenção que nos meus delírios de bar só tem comparação com a do Iphone e a do aparelho descartável de lâminas duplas.

Com ele e uma tulipa limpa — ou preferencialmente um copo lagoinha no boteco mais sujo dessa cidade dos botecos e dos torresmos premiados —, certamente ele será mais bem-sucedido e vamos comemorar se der certo ou comemorar assim mesmo se der errado. Até porque, como a gente sabe, ele vai nos convencer de que foi bom, mesmo que não.

Até porque também não perco a impressão de que esse país é mesmo um boteco copo-sujo, com uma névoa de irracionalidade pairando sobre sonâmbulos entre as cadeiras de plástico e o banheiro imundo trancado a tramela. Onde só ficamos porque a cerveja é gelada, o torresmo é crocante e a conversa inebriada por eles resolve todos os problemas.

Até fazer quem não queria escrever mais voltar a produzir mais um artigo, nem que fosse sonâmbulo como esse, nem que fosse para escrever sobre torresmo. Está escrito, amigos. Tim-tim.

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