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A reforma aprovada em primeiro turno ficou acima das expectativas, exceto por deixar de fora estados e municípios. Relator no Senado, Tasso Jereissati levantou a possibilidade de essa parte voltar àquela Casa, ainda que tenha de retornar para nova votação na Câmara, o que deixa a dúvida: se não passaria um mês atrás, por que agora?. Algo mais terá de ocorrer.
O impacto é tentador, pois sugere ganho da ordem de R$ 350 bilhões em 10 anos só para os estados, entes que vão enfrentar enormes dificuldades no curtíssimo prazo. Depois de vários mandatos em que a média dos déficits orçamentários totais (todas as despesas menos todas as receitas) registrados nos balanços anuais estaduais eram próximos de zero, tivemos déficits expressivos nas últimas administrações, alcançando a média total de R$ 19,3 bilhões, o que gerou atrasados da ordem de R$ 100 bilhões para começar a pagar este ano, o que, em si, contraria frontalmente a LRF.
O grande drama dos estados é que, sem apoio externo, terão de começar a pagar essa conta salgada, além de enfrentar novos déficits, ora projetados em R$ 35,2 bilhões médios anuais em 2019-20, mostrando forte piora esperada em comparação com o quadro recente. Contra esse número, a distribuição do impacto de R$ 350 bilhões contemplados na reforma em pauta entregaria apenas R$ 13,1 bilhões médios em 2019-20, deixando um buraco de R$ 22,1 bilhões por ano, o que dramatiza muito o quadro ora enfrentado pelos atuais governadores.
Registre-se que Rodrigo Maia e seus apoiadores do Centrão, verdadeiros comandantes da reforma, sabiam da importância da parte dos estados, mas temeram que, em vez de aumentar, sua inclusão reduzisse as chances de aprovar a reforma como um todo, pois teriam recebido esse sinal dos seus representantes nas negociações. O sucesso da votação sem os estados parece dar suporte a essa interpretação. Devem estar pensando se algum fato novo relevante mudaria sua visão sobre o assunto até o dia de uma nova votação de um texto encorpado com a parte estadual. Que sinal teria sido aquele e qual mudança relevante deveria ocorrer?
Pelo que dá para detectar, vários estados reconhecem que a reforma é importante, embora duvidem dos números apresentados pelo governo. Há em muitos a sensação de que reforma é solução apenas de longo prazo, não tendo qualquer efeito relevante sobre seus próprios mandatos. Daí não entenderem por que, diante de uma crise que não tinham como evitar e que afeta todos, o governo negue conceder-lhes um alívio financeiro específico e eficaz, se precisa de um apoio mínimo seu para aprovar a reforma como um todo, ou acabará sofrendo o impacto de suas dificuldades financeiras de qualquer forma.
Nesse contexto, acham que o governo se beneficia de sua capacidade de emitir moeda para financiar déficits, e deveria se lembrar de que, na nossa “federação centralizada”, as bombas acabam explodindo no colo de todos.
Finalmente, muitos sentem que em cada unidade da federação a força do lobby antirreforma dos servidores, um dos lobbies mais poderosos do país, é proporcionalmente mais forte do que na União, diante do maior peso de certos segmentos naturalmente fortes nas suas hostes (como em segurança, saúde e educação), pondo suas carreiras políticas locais em um maior risco do que ocorre na União.
Ninguém explica isso direito, mas, de fato, a margem de manobra estadual para lidar com situações como a aqui descrita é muito estreita. Diante de receitas abaixo do normal (ainda não nos recuperamos da maior recessão de nossa história), e um orçamento dominado pelo que chamo de “donos” – educação, saúde, segurança, Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Tribunal de Contas e Defensoria Pública, com fatias da pizza fixadas sempre acima dos valores anteriores, além do serviço da dívida e da conta de inativos e pensionistas, todos eles fora do controle das autoridades executivas, e sendo impossível não ter um mínimo de gasto no segmento discricionário, notadamente nos investimentos em capital fixo, – não tem como escapar da ocorrência de déficits como os antes referidos.
O que fazer? A impressão que fica da experiência recente é que Rodrigo Maia e seus comandados deveriam voltar à arena, em conjunto com Jereissati e seus apoiadores, com o devido mandato para colocar os entes subnacionais de volta na reforma e aprovar a emenda encorpada onde fosse necessário, num acordo que contivesse a assinatura de todos. Em troca, o governo discutiria com eles e aprovaria um apoio financeiro capaz de tirar os entes efetivamente do buraco de curto prazo (e não apenas soluções paliativas), sob o comando de Rogério Marinho, autoridade devidamente testada em missões difíceis que deram certo. Para se credenciar ao apoio, todos os entes apresentariam num prazo razoável um plano de equacionamento dos seus passivos atuariais, com base em parâmetros fixados por Rogério Marinho, plano esse capaz de retirar a despesa com previdência de seus orçamentos.