Em relação à atual crise financeira subnacional, cabe destacar pelo menos 4 pontos. Começa pela explosão dos déficits previdenciários, onde, se concentrarmos a análise no conjunto dos estados, os déficits anuais, que em 2006-11 oscilavam ao redor de R$ 24,3 bilhões, e que são cobertos em última instância pelos orçamentos públicos, passaram a disparar, até atingir o valor de R$ 101,9 bilhões, em 2018, marca quatro vezes superior àquela média, em apenas 7 anos.
Na sequência, acentuou-se a antiga tendência à queda dos investimentos, por ser esse o item do gasto sempre escolhido para capitanear os esforços de ajuste fiscal, dadas as prioridades direcionadas implicitamente a gastos correntes que se cristalizaram com a Constituição de 1988, e após a carga tributária ter atingido os níveis recordes alcançados nas últimas décadas.
Destaque-se que os investimentos do conjunto dos estados e municípios brasileiros, conforme levantamentos da IFI, tinham caído de 2,4% nos anos 60, para 1,9% do PIB nos anos 80 e 90, seguindo a mesma tendência descendente dos investimentos da União. Já no período 2000-14, ao oscilarem ao redor da média de 1,5% do PIB, parecia que haviam atingido o fundo do poço. Não foi bem assim. De 2014 a 2017, em reação à explosão dos déficits previdenciários, os investimentos estaduais e municipais continuaram a cair sistematicamente, passando de 1,7% em 2014 para 0,8% do PIB em 2017. E tudo indica que continuaram caindo em 2018, em processo de difícil reversão a curto prazo.
O terceiro ponto é a extrema rigidez dos orçamentos públicos, algo que, em fases de aperto, como a atual, leva a déficits orçamentários totais elevados, desrespeito à LRF e uma enorme confusão no seio dos fornecedores e prestadores de serviço aos governos, pois o único item supostamente flexível, os investimentos, já esgotou sua colaboração para o ajuste.
Se tomarmos o caso do Estado de Minas como exemplo, com indicadores de rigidez agravados pela maior recessão que assola o país há vários anos, o balanço de 2015 revela, primeiro, uma estrutura de gastos em percentual da RCLTC (receita corrente líquida de transferências constitucionais) concentrada em segmentos que costumo chamar de “donos do orçamento”, quais sejam: 1) educação: 16,4%; 2) saúde: 9,3%; 3) segurança: 15,7%; 4) Poderes Autônomos: 11,3%; 5) demais vinculações: 1,4%. Trata-se de itens financiados com receitas cativas e com alto componente de gastos com o pessoal ativo, somando 54,1% do total, soma essa que subiria para 64,8%, se adicionássemos o super rígido serviço da dívida, de 10,7% do total.
Ao final, uma sobra de recursos de 35,2% do total foi chamada para cobrir o gasto discricionário de apenas 21,2% do total, considerando receitas de capital mínimas, e onde os investimentos são de apenas 3,2% da RCLT, ficando apenas uma parcela residual de 14% da RCLT para pagar a despesa previdenciária. Como esta alcançou 28% do total, isso tudo levou a um déficit orçamentário de idêntico valor: 14% da RCLT. Esse é o segundo resultado dramático da alta rigidez do gasto. Com receita abaixo do normal e o orçamento tomado por “donos”, cujo peso só cresce, parte significativa das despesas é autorizada nos orçamentos, mas não se materializa integralmente nos desembolsos de caixa, passando a se configurar em atrasos de pagamento sem lastro, o que causa todo tipo de complicação, especialmente para fornecedores.
Dessa forma, mais de R$ 70 bilhões de atrasados foram transferidos para os mandatos estaduais que se iniciaram este ano, sem que se saiba que providências foram ou serão adotadas pelos órgãos de fiscalização e controle. Pior que isso, conforme projeções informadas pelos próprios entes ao Tesouro Nacional, a situação financeira dos estados, e muito provavelmente a dos municípios de maior porte, tende a se deteriorar ainda mais neste ano e em 2020.
Para o conjunto dos estados, as necessidades de financiamento do orçamento de 2019 podem ser estimadas em R$ 30,6 bilhões, sem falar em atrasados. Caso os estados fossem incluídos na reforma em curso, teriam um alívio financeiro estimado em R$ 13,1 bilhões para o primeiro ano de sua vigência, o que certamente ajudaria muito a minorar suas dificuldades financeiras, principalmente quando se considera que o impacto médio nos 10 primeiros anos de vigência das novas regras é de R$ 35 bilhões.
O único plano de socorro federal em vigor (PRF – Plano de Recuperação Fiscal), que vem sendo aplicado ao caso do Rio de Janeiro e está sendo cogitado para Minas Gerais, empresta mais dinheiro para refinanciar dívidas, com contrapartida de privatizações e ajuste do gasto com o pessoal ativo, difíceis de implementar, sendo assim mero alívio de curto prazo, sem ir ao âmago da questão. Para isso, é preciso definir planos de equacionamento dos passivos atuariais mais eficazes que os existentes, única forma de os governos retirarem os déficits previdenciários dos orçamentos e voltarem a investir.
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