Enquanto os entes da Federação contam os trocados para levar seus barcos em frente nas águas revoltas do curto prazo, vimos no Fórum Nacional na última semana que ainda há muito chão pela frente no andamento das tão ansiadas reformas estruturais (a da Previdência e a tributária) e na gestão da infraestrutura.
Por falta de espaço, restrinjo-me aqui à reforma da Previdência, que tramita neste momento no Senado, e a seu elo com a retomada dos investimentos públicos em infraestrutura, onde a grande dúvida é se a parte que ajusta as contas dos entes subnacionais vai retomar efetivamente o espaço perdido na versão da emenda constitucional que já passou pela Câmara Federal. Isso é de suma importância, em face dos elevados desequilíbrios financeiros identificados recentemente nas contas desses entes, que os sufocam no curto prazo e os inviabilizam no longo.
No curto prazo, calcula-se o Custo da Previdência Pública para os entes, ou seja, a soma da contribuição patronal com os déficits financeiros das previdências respectivas, e o que se nota, no tocante ao conjunto dos estados, é níveis elevados e crescentes nos últimos anos, subindo de 17 a 22% das receitas correntes líquidas entre 2015 e 2017. Na União, a subida é de 13% a 15%, no mesmo período.
Como resultado disso, percebe-se a desabada dos investimentos públicos no Brasil (basicamente em infraestrutura), especialmente nos estados e municípios. Lá se vê que, depois de ter atingido a marca recorde de 3,3% do PIB em 1969, o conjunto dos estados e municípios teve seus investimentos reduzidos sistematicamente até o início dos anos 2000, a partir de quando pareceu se estabilizar ao redor de 1,6% do PIB, até atingirmos 2014, ano que inaugurou a pior recessão da história do país. A partir daí, num espaço de apenas três anos a taxa de investimento desses entes caiu novamente pela metade, chegando à marca de 0,8% do PIB em 2017, processo esse que deve ter se aprofundado ainda mais à medida que se dá a última troca de mandatos subnacionais.
Em que pese o arrocho dos investimentos, é chocante constatar a escalada ascendente dos déficits orçamentários do conjunto dos estados, por exemplo, nos últimos anos. Segundo os respectivos balanços anuais, nos mandatos de 1995-98, 1999-02, 2003-06, 2007-10 e 2011-14, alternaram-se déficits e superávits orçamentários médios de dimensão pouco relevante. Já no desastroso e último mandato de 2015 a 2018, registrou-se um déficit médio de R$ 19,3 bilhões, déficit médio esse que se projeta subir para R$ 35,2 bilhões em apenas dois anos (2019 e 2020).
O ponto básico a salientar é a constatação, que se faz na sequência, dos gigantescos e pouco conhecidos passivos atuariais dos RPPS (Regimes Próprios de Servidores Públicos), que se calculam pela soma das projeções dos “buracos” previdenciários rumo ao futuro, num período obviamente bem mais longo, digamos, de 70 anos, antes de levar em conta o efeito de reformas e de receitas previdenciárias adicionais como as decorrentes de aportes de ativos, ou de contribuições patronais suplementares, entre outras medidas possíveis.
Com os dados oficiais à mão (saldos em 31.12.17 calculados para um período ao redor de 70 anos), vê-se que, mesmo sob uma taxa de desconto de 6% ao ano – obviamente exagerada para os dias de hoje –, os passivos atuariais identificados na quinta-feira última para o Fórum Nacional foram de 3,5 vezes a receita corrente líquida anual mais recente dos entes, considerando o conjunto dos estados, e 2,6 vezes no caso da União, conforme se vê na apresentação de Nelson de Souza em https://www.youtube.com/watchv?=ENMeZE6bMuM. Posteriormente, Leonardo Rolim apresentou no mesmo evento estimativas mais recentes de passivos atuariais, em valores nominais, de R$ 1,2 trilhão para a União; R$ 2,1 trilhões para os estados, e R$ 1 trilhão para os municípios.
No tocante à Previdência, a situação dos entes públicos varia muito, com problemas menos complicados nos ex-territórios e municípios que organizaram regimes próprios mais recentemente. Como regra geral, contudo, somente zerando elevados passivos atuariais como esses (ou seja, equacionando-os, como se diz na linguagem da área), tendo criado fundos de pensão como os que foram estabelecidos nas grandes estatais federais no passado recente, é possível conter o gigantesco problema numa dimensão administrável, e abrir espaço para os tão ansiados investimentos públicos. E, como se disse, parte importante desse resultado depende exatamente do efeito das reformas em curso sobre essas contas.