Insisto no tema da precária infraestrutura que nos assola. Uma pena o país não encontrar os caminhos para expandir o estoque desses equipamentos tão importantes, na verdade nem mesmo o preservar. Para se igualar à média dos emergentes, teríamos de mais que dobrar o que fazemos.
Estudos mostram, ainda, para um grande conjunto de países olhados num dado instante do tempo, que quanto mais infraestrutura houver, mais crescimento do PIB, melhor distribuição de renda e menores índices de pobreza ocorrerão. Mera coincidência? Afora isso, vem o quesito qualidade. Conforme os rankings do Global Competitiveness Report, no meio de 140 países avaliados, havia 80 melhores que o Brasil. Enquanto isso, a recessão já dura vários anos, é a pior de nossa história, e o número de desempregados é cavalar. Como esses investimentos ajudariam a resolver esse problema!
Na época dos militares, a poupança pública e, portanto, o investimento, sobravam. Em 1987, às vésperas da chamada “Constituição cidadã”, do total dos gastos não-financeiros do Orçamento da União 16% ainda se referiam a investimentos. Hoje, essa parcela caiu para ínfimos 2,8%. De grande investidor, o setor público virou repassador de recursos para assistência social, previdência e pessoal. Esses três itens recebiam 22% às vésperas da nova Carta. No ano passado, haviam pulado para 63%. Óbvio que tem algo fora do lugar aí.
Quando comecei a trabalhar no setor público, as missões dos governos militares que iam ao exterior tinham como objetivo central captar dólares, cuja escassez era o “x” da questão. Lá, mostravam basicamente projetos públicos de investimento que estavam começando a estruturar, para demonstrar que os dólares captados com olho no balanço de pagamentos estariam implicitamente sendo aplicados não para financiar gastos correntes, mas para investimentos produtivos.
A União acaba de divulgar que, de 2015 para 2019, os gastos discricionários, onde predominam os investimentos, caíram pela metade – de R$ 200 para R$ 100 bilhões –, em apenas quatro anos. Em seguida, projetou que esses gastos cairiam mais uma vez 50%, para apenas R$ 50 bilhões, dessa feita em apenas dois anos adicionais. Com estados e municípios também quebrados, e com recursos carimbados para investimentos em lugar nenhum (em 1988, foram extintos os impostos únicos, que tinham esse papel, e sua base anexada à do ICMS, onde, livres para usar, viraram gastos adicionais com pessoal e previdência), a saída que parece óbvia a curto prazo é jogar muitas fichas na inversão privada.
Ou seja, prima facie, a escassez relevante não é mais de dólares, mas de poupança e de operadores privados, para cujo equacionamento deveriam se voltar, especificamente, os projetos apresentados nos roadshows oficiais do momento.
Só que muitos projetos, como os da segunda e terceira fase das concessões federais, simplesmente não têm conseguido decolar, conforme mostra nossa história recente, em mais uma instância da tragédia populista que assola o Brasil em vários atos. Nesse caso, o drama começa por termos mudado as prioridades do gasto público lá atrás, sem ninguém explicar à população (para não suscitar reações contrárias) que ela iria pagar pelo custo dos serviços de infraestrutura capazes de serem assumidos pelo setor privado.
No início, até deu para empurrar com a barriga. Só que à medida que o tempo foi passando, veio o segundo ato da peça teatral, com o aumento da resistência para os usuários pagarem a conta. Entrementes, como o mundo real é muito incerto, as necessidades de reequilíbrio dos contratos com custos mais altos para os usuários foram surgindo, e a reação a tudo isso, idem. Para piorar, o populismo político levou, por exemplo, a que promessas eleitorais passassem a incluir a redução ou o fim dos pedágios, e a muita ingerência contrária a qualquer custo mais elevado para o usuário nas ações dos poderes concedentes (e até dos órgãos de fiscalização). Para piorar, têm sido abundantes as ocorrências de puras e simples quebras de contratos por parte das autoridades públicas. Como investir mais em tal ambiente hostil?
Para concluir, chamo a atenção dos leitores para a constatação que pude fazer de que, mesmo na melhor hipótese possível de execução dos projetos que a União identificou como viáveis economicamente para o setor privado nos próximos 12 anos, teríamos a implementação de apenas R$ 15 bilhões anuais médios entre 2021 e 2031, o que é obviamente pouco frente ao que se imagina que o país possa investir em infraestrutura de transportes a partir de agora. Certamente haverá um volume expressivo de projetos de manutenção de estradas, de interligação de rodovias de grande porte etc., cuja taxa de retorno para a sociedade é suficientemente expressiva para justificar inversões públicas, mas inviável para viabilizar inversões privadas equivalentes. Só falta um espaço financeiro adequado nos orçamentos públicos que os governos ainda não conseguiram identificar.