Ao estourar a COVID-19, cujo enfrentamento demandaria um hoje consensual e gigantesco aumento de gastos públicos em todas as esferas de governo, a União e os demais entes da federação se viam em uma situação financeira crítica, após registrarem vários anos de seguidos déficits primários, e em que pese se ter aprovado um teto para os gastos federais, seguido de uma importante – mas. insuficiente – reforma das regras que afetam os gastos previdenciários. Dado que o chamado gasto obrigatório, onde se destaca a Previdência, abocanhava praticamente todo o orçamento federal (deixando os investimentos em infraestrutura no osso), e o teto não era autoaplicável, algo mais, de peso, seria preciso fazer para o PIB crescer mais e diluir a inevitável expansão da dívida pública.
Olhando apenas os estados, os déficits hoje registrados em seus balanços praticamente inexistiam até 2014, quando pularam para algo em torno de R$ 20 bilhões médios anuais até 2018. Sem financiamento formal viabilizado pelo único ente que poderia ter emitido moeda em seu socorro – a União –-, na passagem de mandato para os atuais, já haviam se acumulado, por isso mesmo e ao todo, atrasados ao redor de R$ 100 bilhões, tendendo a aumentar ainda mais. Ou seja, um verdadeiro caos financeiro para os que dependem dos pagamentos subnacionais.
No centro do problema – aqui com muito maior clareza – estão os déficits previdenciários dos seus regimes próprios, mesmo sem considerar os pagamentos relativos às contribuições patronais associadas aos fundos previdenciários relativos à massa de servidores segregada mais recentemente, nem os relativos às alíquotas suplementares calculadas para zerar passivos atuariais. Somando tudo isso, chega-se à estimativa de nada menos que R$ 7,4 trilhões para o passivo atuarial total dos regimes próprios em 2018, algo próximo do valor do PIB brasileiro em 2019, sendo R$ 5,2 trilhões para os estados, R$ 1,2 trilhão para a União, e R$ 1 trilhão para os municípios. Confrontem-se esses números com a estimativa do passivo frente aos segurados do INSS, medido mais ou menos sob as mesmas hipóteses: R$ 10,3 trilhões, bem mais próximo ao total daqueles do que imaginava.
Dessa forma, uma das peças básicas na ação governamental anticrise da COVID-19 é o socorro financeiro a estados e municípios, que vêm sofrendo pesadas perdas de arrecadação em face do forte desaquecimento da economia; têm atuação bem mais próxima fisicamente dos atingidos pelo vírus; e alta escassez de financiamento, já que, diferentemente da União, não podem emitir moeda ou, sem autorização específica da União, títulos em geral.
Afora isso, a liberação de recursos do orçamento público para investimentos em infraestrutura só ocorrerá, quando os aportes de ativos e os efeitos de reformas, entre outras providências do tipo, forem suficientes, isto é, produzirem superávits atuariais capazes de justificar redução de alíquotas suplementares, dentro do plano de capitalização, e/ou dentro do modelo de “transferência de vidas” do plano financeiro para o previdenciário.
Só que, investir mais, como se sabe, é a principal rota para aumentar a produtividade de qualquer economia, além da óbvia expansão da sua capacidade de produção, fundamentais para se crescer a taxas razoáveis no momento seguinte ao da duração da crise. Com foco nas administrações municipais, deve-se, assim, aproveitar, em adição: 1) a forte demanda que existe sobre os escassos recursos das agências de fomento regionais hoje inteiramente aplicados; 2) o potencial que estas têm de mobilizar fundos hoje inertes -- como as reservas técnicas dos fundos de previdência dos entes subnacionais (inclusive de empresas públicas), fundos esses já constituídos e carentes de remuneração compatível com altas demandas de rentabilidade; 3) sua grande capacidade de identificar oportunidades e de estruturar operações de crédito, a fim de complementar o esforço para os recursos chegarem ao máximo de empresas, tal que se mantenham e até incrementem seus programas de investimento, contribuindo para a expansão da oferta de produtos e o aumento da produtividade geral.
A primeira parte da solução poderá ser perfeitamente sincronizada com a segunda, se houver um acordo de cooperação entre os municípios de um determinado estado e sua agência de fomento, em que esta colaborará na realização de estudos capazes de promover o equacionamento atuarial das respectivas administrações e na viabilização de investimentos cruciais para a reconstrução do país no pós-pandemia.