Muitos ainda não se deram conta, mas no centro da crise econômica (e fiscal) brasileira está a disparada dos déficits dos regimes próprios de previdência, especialmente os estaduais. Enquanto isso, mesmo com os progressos (ainda que parciais) da reforma da previdência, o governo insiste em reforma tributária, reforma administrativa, um suposto “pacto federativo”, sem falar na defesa do “teto de gastos” etc., congestionando ainda mais o ambiente político sem ir ao ponto. Se não há percepção clara sobre o diagnóstico correto, quão distantes estaremos ainda da obtenção de uma solução que, idealmente, deveria ser a mais rápida possívelao? ponto.
Os dados básicos mínimos desse diagnóstico são os seguintes. Por um lado, há um forte crescimento da despesa previdenciária estadual relativamente às demais, e de todas dessa mesma família frente ao PIB (veja no gráfico 1, que, com todos os demais, será enviado a quem pedi-lo, bastando endereçar a raulvelloso45@gmail.com).
Por outro, para se raciocinar com um caso concreto relevante, mesmo com vários aspectos gerais a seu favor, estados de elevada dimensão econômica, como São Paulo, têm contra si: 1) o forte crescimento do déficit previdenciário em relação à Receita Orçamentária, acima da média estadual (Gráfico 2), problema que vem de longe; 2) o fato de não se encontrar qualquer vestígio de algum equacionamento anterior do seu problema previdenciário, o que implica que qualquer solução terá de partir do zero, o que dificulta muito as coisas; 3) o fato de ter aderido ao teto dos gastos meio que “empurrados” pela União, conforme matéria recente na mídia, o que limita, para entes engatinhando em soluções, as possibilidades de aproveitar eventuais ganhos no encaminhamento do problema previdenciário para investir mais.
Tomando ainda o exemplo de São Paulo, e levando em conta fatores como esses, e mesmo considerando que é o estado de maior peso econômico no Brasil, onde sempre se depositam as esperanças de soluções rápidas e seguras, a conclusão dramática é que todos esses entes, enquanto não tiverem saída à altura, tenderão a zerar seus claudicantes investimentos em poucos anos (Gráfico 3), o que obviamente contribuirá para o PIB crescer menos. Diante de tantos anos de investimentos pífios, é difícil que a evolução do PIB não seja prejudicada.
Em adição, ao colocar em um mesmo gráfico (Gráfico 4) as variáveis “custo para o ente” (isto é, a soma do déficit financeiro com a contribuição patronal anual) e o passivo atuarial medido em termos da receita anual de um determinado ano, verifiquei que valores de casos específicos próximos às médias dos valores estaduais individuais sinalizavam casos complicados de resolver. Dito de outra forma, que tenderiam rapidamente à zeragem dos investimentos, se nada fosse feito. Ou seja, a situação é mais séria do que eu pensava, pois a média conjunta era um resultado ruim, longe do ideal (que seria a zeragem do passivo atuarial combinado com o menor valor possível do custo para o ente). E também por haver muitos valores espalhados no gráfico especialmente nas regiões mais distantes da média e de sua origem.
Com isso em mente, constatei em seguida que, dos 20 estados que haviam se comprometido com o tal do teto, 11 deixaram de cumpri-lo em 2019, implicando imposição de uma multa pelo Tesouro Nacional sob a forma de uma devolução total de R$ 40 bilhões de amortizações de empréstimos que haviam sido refinanciadas (Gráfico 5). Tais estados teriam “custos para o ente” entre 10 e 29% das respectivas receitas correntes líquidas no momento analisado, revelando pouco espaço disponível para cumprir o novo compromisso financeiro. Ou seja, mais pressão sobre entes virtualmente quebrados. Implementação a ver...
Uma palavra final antes da apresentação de uma solução. No miolo dos problemas ainda não resolvidos que foram causados pela explosão dos gastos previdenciários, está, primeiro, a tendência à zeragem dos investimentos em curso, que ainda não se esgotou. E, segundo, o surgimento de déficits orçamentários totais elevados em muitos entes, mesmo com alguns ajustes ocorridos em despesas como a de pessoal ativo, sem falar nos investimentos (Gráfico 6). Tais déficits se somaram, ao final de 2018, em um elevado montante de atrasados – ainda não equacionados – na passagem dos últimos mandatos estaduais para os atuais, prejudicando fornecedores e demais partes afetadas, além de contrariar frontalmente a Lei de Responsabilidade Fiscal, sem que se conheça qualquer punição eventualmente aplicada.
Sinteticamente, a saída é ajustar os déficits anuais para baixo até zerar os passivos atuariais indicados no gráfico 4, mediante mudanças de regras adicionais às da última reforma e aportes de ativos aos respectivos fundos de previdência, ampliar as possibilidades de monetização desses ativos, e adotar medidas capazes de conciliar a manutenção do “teto de gastos” com a realocação, para investimentos, de recursos gerados pelas mudanças.