Ao verbalizar o desejo de adicionar o grupo dos informais ao Bolsa-Família, que ficou bem visível na implementação do minguante programa de renda emergencial pós-pandemia, o governo se vê diante de um impasse cada vez mais agudo. Basicamente porque isso elevaria a despesa federal de forma considerável e permanente num orçamento em que os chamados gastos obrigatórios (ou incomprimíveis por razões políticas) já cresceram e continuam crescendo muito, alcançando 94% do gasto total, o que torna praticamente impossível cumprir o teto constitucional, que impõe o crescimento do total do gasto ser pelo menos igual à inflação, sonho dourado dos ortodoxos, inclusive os incrustados no Ministério da Economia.
Outra herança maldita foram os altíssimos déficits primários que a União passou a ostentar a partir de 2014, especialmente pela explosão dos déficits previdenciários. Nos estados e grandes municípios, isso aparece por trás dos elevados déficits orçamentários registrados nos seus balanços desde 2011, cujo enfrentamento sob o chicote do Tesouro Nacional deixa muito a desejar, levando inclusive ao acúmulo de volumosos atrasados sequer registrados nas verbas de direito até o momento. Já a parcela discricionária do gasto público – única que poderia ser ajustada – notadamente os investimentos – é hoje, por consequência, ínfima. Quanto aos investimentos privados em infraestrutura, há um incompreensível viés contrário a eles nas ações da área de fiscalização e controle, sem falar na própria gestão política em geral – que no Brasil é super populista, como no caso recente do Rio.
Adicionalmente, nem o governo federal, que deveria dar o exemplo, se organizou adequadamente para adotar providências capazes de agilizar os investimentos privados factíveis de acontecer no curto prazo. Em vez de estender prazos dentro da lei e investir nas concessões atuais, Tarcísio prefere novas licitações daqui a 5 anos para tentar reduzir pedágios, e Doria é pressionado pela velha máquina peessedebista para fazer o mesmo, além de angariar mais dinheiro de outorgas. Não parecem ter percebido que para sair da pandemia é preciso investir hoje e não daqui vários anos.
Na raiz da desabada dos investimentos públicos está especialmente o forte aumento dos déficits previdenciários dos regimes próprios, que foram parcialmente atacados pela reforma recentemente aprovada, mas que tendem ainda a subir nos próximos anos. Em vez de concentrar seus esforços no equacionamento completo desse problema, o próprio Ministério da Economia rejeita a única solução que existe para fechar a conta, a exemplo do que já se fez com as grandes estatais federais, e é previsto na própria constituição.
Trata-se de aportar ativos e recebíveis em geral a fundos previdenciários, aumentar contribuições dos servidores, entre outras medidas, e promover a zeragem dos passivos atuariais. Por seu turno, poucos governadores e prefeitos se dispõem a enfrentar essa luta, que, sem apoio da União, a muitos parece inglória, embora possa ser o único caminho à vista para abrir espaço nos orçamentos públicos.
Trata-se de aportar ativos e recebíveis em geral a fundos previdenciários, aumentar contribuições dos servidores, entre outras medidas, e promover a zeragem dos passivos atuariais. Por seu turno, poucos governadores e prefeitos se dispõem a enfrentar essa luta, que, sem apoio da União, a muitos parece inglória, embora possa ser o único caminho à vista para abrir espaço nos orçamentos públicos.
Além disso, o governo está no corner pela gestão pouco competente do Ministério da Economia em várias de suas linhas mais visíveis de atuação: reformas tributária e outras do lado do gasto, relacionamento cheio de arestas com o Congresso e colegas do ministério; defesa extrema do teto que nasceu morto, ação desfocada das prioridades que deveriam estar prevalecendo nas ações governamentais, proposição de medidas sem sentido como as, por último, relacionadas com precatórios e o Fundeb, e na reação apagada em relação à pandemia.
Para sair dos impasses em que o governo está metido, Bolsonaro precisa, antes de considerar a possibilidade de incluir um novo e gigantesco programa de gastos permanentes: 1/conclamar o Ministério da Economia e os governadores a se engajarem no equacionamento das previdências públicas e na viabilização de maiores investimentos das áreas de infraestrutura e desenvolvimento regional (vejam o projeto de lei que divulguei na minha última coluna neste jornal); 2/ responder como e quando vamos dar uma solução à herança maldita do tal teto de gastos (não adiantando mais dizer apenas que “vamos respeitar o teto...”); 3/reverter a trajetória dos déficits primários de último, ainda que numa visão de prazo mais longo. E, para encerrar, lidar com o fim da renda emergencial a partir de janeiro, com a pandemia provavelmente ainda a pleno vapor, pela prorrogação da renda emergencial e do Estado de Calamidade Pública por pelo menos mais 6 meses, viabilizando o financiamento via moeda de uma segunda parte desse programa por ser algo atípico e emergencial. (Lembro-me de que, em 2008, para uma finalidade bem menos defensável socialmente, as autoridades monetárias do mundo desenvolvido emitiram toneladas de moeda para solucionar os financiamentos imobiliários que “micaram”, cabendo notar que, com tudo isso, os juros e a inflação até caíram.)