Tanto assim que os gastos obrigatórios totais, que adicionam à folha outros gastos correntes igualmente direcionados em lei a certos fins, passaram de 70% em 1987 a 93% em 2018.
Sem que se tenha à mão avaliações oficiais relevantes do uso do dinheiro público desde a promulgação da Carta de 1988, a principal (e supernegativa) consequência disso tudo, em conjunto com o tipo de ajuste que vem sendo tentado, foi que, do final dos anos 1980 a 2018, os investimentos de todos os entes públicos em infraestrutura caíram mais de sete vezes quando medidos em % do PIB, reduzindo-se de 5,1% para 0,7%.
Enquanto isso o segmento privado oscilava, no mesmo período, ao redor da média de 1,1% do PIB, em que pese toda a ênfase conferida a esse segmento nos últimos anos. Daí o PIB só crescer a 0,2% a.a. em média nos últimos 20 anos. É mole?
A grande maioria dos que acompanham a área macroeconômica acredita que a obediência ao chamado teto de gastos, regra que limita o crescimento do gasto federal total pela inflação decorrida, é fundamental no momento atual para exatamente manter a inflação sob controle, ainda que, a meu ver, quando nasceu ele já estava morto.
Com ele, em tese se conteria o crescimento dos gastos públicos e, portanto, se extirparia o mal pela raiz - mal esse que seria representado pelo resultante crescimento da razão entre a dívida pública e o PIB e por sua suposta consequência mais maléfica, a inflação elevada.
Pois bem, o espaço é pequeno para explicar tudo, mas nem o crescimento da razão entre a dívida pública e uma correta medida do nível de atividade é necessariamente ruim, nem a inflação se deve necessariamente ao crescimento da dívida (a não ser que já existisse uma razão forte para sua existência, como, por exemplo, quando a economia está superaquecida ou sob um choque de preço externo).
O pior é que o principal motivo pelo qual o teto já nasceu morto é bem mais simples, e em torno dele não deveria haver qualquer polêmica (mas ninguém quer saber disso).
Ele se liga a duas coisas: primeiro, a que o peso dos gastos obrigatórios no total gasto pela União já era muito alto, como mostrei acima, quando o teto foi lançado (2016, para valer a partir de 2017), de forma tal que, em pouco tempo, os residuais gastos discricionários - únicos a serem na prática ajustados pela exigência do teto - ficariam simplesmente zerados.
Como o item de maior peso nos discricionários é o investimento, vê-se quem foi o principal pagador da conta do teto: investimentos e crescimento do PIB, conforme acima explicado. É isso que queremos?
Por outro lado, por que não ajustar os gastos obrigatórios, gastos esses previstos para acontecer por alguma lei ou pela própria Constituição? A resposta é também simples: porque é muito difícil, conforme se vê pelas prioridades reveladas pela execução da Carta de 1988.
Olhando para a frente, enquanto se promove uma avaliação competente do que se tem feito com o dinheiro público, em grandes blocos, desde 1988, o que falta, em grande medida é: 1- tornar sem efeito a emenda do teto; 2- desenhar um bom e parrudo plano de investimento público para o país; 3- ter dois grandes programas assistenciais, um emergencial e temporário, até o encerramento da fase COVID-19, e o outro, permanente, a serem sempre avaliados; 4- um relevante plano de equacionamento da previdência pública atrelado a um plano de recuperação de investimentos especialmente subnacionais; 5- um programa de reforma administrativa e melhor capacitação dos servidores públicos; 6- para fechar, uma grande discussão sobre a questão inflacionária, com vistas a impedir que se sacrifique ainda mais o país com tratamentos inadequados dessa questão, como vem ocorrendo há vários anos.
(De passagem, veja o exemplo dos EUA, cujo governo acaba de aprovar, no Congresso, plano de investimento em infraestrutura dimensionado em US$ 1,3 trilhão. Enquanto isso, por aqui a grande discussão ainda é como recuperar o já falecido teto de gastos).
Esse plano seria amarrado a uma série de metas, exigências e mudanças, especialmente metas de crescimento do PIB para os próximos mandatos - presidencial e estaduais (com ajuste das metas municipais para as parcelas remanescentes desses mandatos).