No lado fiscal, vários anos de observação ensinam que, após considerar que 92,9% do gasto total correspondem à soma dos vários componentes das despesas ditas obrigatórias, de execução garantida por algum tipo de legislação, o que sobra de discricionário, e é, portanto, em tese, mais fácil de ajustar, é algo que se pode chamar de orçamento de migalhas.
Já a parcela dos gastos obrigatórios que corresponde a 75,6% do total e se refere a pagamentos diretos a pessoas relacionados com benefícios assistenciais, subsidiados e previdenciários, mais pessoal em atividade, está toda amarrada em uma gigantesca folha de pagamento que atende praticamente a metade da população brasileira. A essa grande folha se somam outras despesas correntes em educação e saúde custeadas com receitas vinculadas obrigatoriamente a esse fim (10,8% do total) sem falar em "outros gastos obrigatórios" (6,5%), em que é difícil mexer para valer, especialmente em momentos como o atual.
Para agravar essa difícil situação, se superpõem as pressões relacionadas com novos gastos obrigatórios, que surgem todos os anos, como, desta feita, a reestruturação do Bolsa-Família, cujos pagamentos individuais passarão a R$ 400 mensais, e a nova conta de precatórios judiciais, que costumava ser de R$ 14 bilhões a 24 bilhões anuais entre 2010 e 2015, e aumentou para R$ 89 bilhões em 2022, entre outras.
Um subproduto altamente indesejável disso tudo é, obviamente, o viés ante investimento público, e, portanto, ante crescimento econômico, decorrente da falta de ajuste dos chamados gastos obrigatórios, ainda que o visionário ministro da Economia viva repetindo que em breve virão bilhões de reais em inversões privadas novas do exterior para expandir nossa infraestrutura e ajudar o Brasil a voltar a crescer.
Nesse contexto, a imposição de um teto global de crescimento dos gastos públicos, igual à inflação anual decorrida, na União, sem levar em conta a dinâmica própria dos componentes do orçamento federal, serviu apenas para acentuar a derrocada dos investimentos, e foi um típico tiro no pé, pois só houve ajuste neles próprios.
Tanto assim que, segundo estimativas do Congresso Nacional durante os debates do orçamento de 2022, os investimentos públicos federais, que em 2012 eram da ordem de R$ 200 bilhões, vêm declinando sistematicamente desde então, sendo agora projetados em R$ 44 bilhões para este ano.
Em resumo, a versão mais recente da encruzilhada em que estamos metidos começa pela pressão inflacionária nova, que vem de fora, e segue pela solução via ajuste fiscal que hoje grita mais alto por aqui do que pelo vozerio dos especialistas da área no exterior, pois eles, no momento, promovem uma revisão das teses antigas.
Enquanto as reformas e medidas específicas corretas não ocorrem para reduzir o peso da "grande folha", é comum, de um lado, recomendar a subida das taxas básicas de juros para desacelerar as economias e a inflação, ainda que o mundo (e o Brasil em particular) esteja com a economia há muito desaquecida.
Do outro, sem analisar em profundidade a questão fiscal brasileira, recomendou-se a fixação de um teto de crescimento dos gastos totais, acreditando que dessa forma o problema seria rapidamente resolvido.
Há, contudo, pelo menos duas razões para algum otimismo na linha de frente macroeconômica nos anos que se seguem. Primeiro, é na Previdência Pública, onde, especialmente no âmbito estadual e municipal, os gastos mais cresceram nos últimos anos.
Ali, faltam completar a importante reforma das regras previdenciárias aprovada no final de 2019 e aportar ativos aos fundos previdenciários em volume suficiente para concluir o processo de ajuste e incrementar os investimentos locais. Mas o passo a passo para fazer o certo existe e pode ser iniciado.
A outra razão é a mudança liderada pelos principais macroeconomistas norte-americanos no sentido de adotar uma visão menos radical sobre a imperiosidade de um ajuste fiscal tradicional, tema para outra ocasião.