São enormes os desequilíbrios que alcançam boa parte dos regimes próprios de previdência que hoje existem em 26 estados, no Distrito Federal (DF) e em cerca de 2.100 municípios, com óbvias consequências desfavoráveis. Estimativas recentes sugerem déficits financeiros anuais totais de R$ 175,4 bilhões, sendo 78,8 na União; 88,7 nos estados inclusive o DF; e os restantes R$ 7,9 bilhões nos municípios. Já os passivos atuariais que totalizam R$ 4,3 trilhões e deveriam tender a zerar um dia são os seguintes: 1,2 trilhão na União; 2,1 nos estados inclusive o DF; e R$ 1,0 trilhão nos municípios.
Medidos por pessoa segurada (em R$ mil), os passivos se concentrariam primeiro na União (R$ 839); depois, nos estados, inclusive DF (R$ 454); e por fim nos municípios (R$ 287). Ou seja, se fazer parte dos regimes próprios versus INSS é uma regalia, é na União que esse privilégio é muito maior, seguindo-se os estados e depois os municípios. A principal consequência da subida abrupta dos gastos previdenciários é a redução do investimento público.
Além dos impactos sobre o nível de emprego, isso traz impactos mais estruturais e desfavoráveis na competitividade e no investimento privado. Portanto, o esforço de ajuste fiscal, que deveria ter como principal vetor o equilíbrio previdenciário, precisaria estar também associado a um plano de retomada do investimento, sob modelos mais modernos e criativos, integrados com investimentos dos fundos já capitalizados da previdência pública (onde há hoje cerca de R$ 200 bilhões, basicamente aplicados em títulos públicos federais), e sob a forma de concessões e parcerias público-privadas.
Estados e municípios são obrigados legalmente a aprovar planos de equacionamento (ou zeragem) dos passivos atuariais anualmente junto à União, entre outras exigências, para receber um certificado de boa conduta, sem o que ficariam impedidos de fazer jus a transferências voluntárias dela oriundas.
Um percentual expressivo dos estados tem obtido liminar do Supremo Tribunal Federal tornando sem efeito essa medida, enquanto a matéria é julgada de forma definitiva. Para enfrentar esse problema, é preciso projetar receitas e despesas para os próximos 75 anos, apurar o resultado financeiro anual, e, imaginando a prevalência de déficits sistemáticos em muitos casos, calcular o passivo total a preços constantes e em termos de valor presente, a fim de adotar as medidas adequadas de correção.
Um percentual expressivo dos estados tem obtido liminar do Supremo Tribunal Federal tornando sem efeito essa medida, enquanto a matéria é julgada de forma definitiva. Para enfrentar esse problema, é preciso projetar receitas e despesas para os próximos 75 anos, apurar o resultado financeiro anual, e, imaginando a prevalência de déficits sistemáticos em muitos casos, calcular o passivo total a preços constantes e em termos de valor presente, a fim de adotar as medidas adequadas de correção.
Sinteticamente, o processo convencional de ajuste desses desequilíbrios inclui: 1) uma Reforma de Regras (como a da Emenda 103/19), a última reforma aprovada no Congresso Nacional, que se aplicou automaticamente apenas à União – ou seja, cada ente terá de aprovar a sua; 2) além de aportar as contribuições patronais e dos servidores ali incluídos, cabe adicionar, na maioria dos casos, ativos (como imóveis) e/ou outros recursos a um fundo de previdência específico, incluindo sua securitização ou antecipação de seu ingresso, para fazer face aos compromissos previdenciários; 3) aumento das contribuições dos ativos e inativos. 4) criação de fundos de investimento com os recursos dos RPPS hoje aplicados em títulos públicos federais, para financiar projetos de interesse dos municípios e de desenvolvimento econômico. Cabe ressaltar que, entre outros problemas a atacar com disposição, é muito baixa a adesão à última reforma, pois, de cerca de 2.000 municípios com regimes próprios, menos de 300 aprovaram suas reformas com base na Emenda 103/19, ou seja, 15% no máximo.
Na sequência de providências básicas cabíveis, caberia primeiro estimar em quanto tempo os entes cuja situação se examina em maior profundidade, especialmente os que são objeto de maior interesse geral, teriam seus investimentos zerados, caso utilizassem essa como a principal variável de ajuste, e não enfrentassem o problema de frente, diante da subida prevista pelos estudos atuariais mais recentes para os déficits previdenciários respectivos nos próximos anos.
Na verdade, há cerca de três anos eu mesmo havia feito esse tipo de avaliação, e apurei que a cidade do Rio de Janeiro zeraria seus investimentos quase instantaneamente, isto é, em 2020, último ano do mandato precedente, projetando uma situação financeiramente caótica, mandato esse que acabou terminando com déficits orçamentários acumulados de R$ 3,8 bilhões, algo que se chocava frontalmente com o disposto na Lei de Responsabilidade Fiscal, segundo a qual os déficits acumulados em qualquer mandato teriam de ser zero. Já no caso de São Paulo, a situação ficaria difícil, mas não tanto, pois a zeragem só ocorreria em 2029, ou seja, nove anos depois.
A situação desses dois entes precisa ser urgentemente reexaminada, considerando que, em meados de 2021, a Prefeitura do Rio, após a venda da Cedae ao setor privado, anunciou um ambicioso programa de gastos baseado nas receitas obtidas, mas concentrado em gastos correntes, enquanto a de São Paulo aprovou um programa de ajuste previdenciário nas linhas acima descritas. Deverei me dedicar a isso e relatarei o resultado mais adiante neste espaço.
Resumo
Constatados os enormes desequilíbrios previdenciários e seu impacto desfavorável sobre os investimentos públicos e a competitividade do país, defendo a aprovação de planos de equacionamento desses déficits e um passo-a-passo de tarefas cabíveis. De passagem, deve-se calcular, para casos relevantes, em quanto tempo os investimentos zerarão, caso não se tome qualquer atitude em favor do ajuste previdenciário.