Para enfrentar a subida recente do peço externo do petróleo expresso em reais (isto é, multiplicado pela taxa de câmbio), nas difíceis condições que prevalecem em nosso país (inclusive pela proximidade das eleições e por novas pressões inflacionárias), o governo central acabou transferindo o problema para o vizinho (ou seja, para os estados e municípios). Desgarrou-se da regra do repasse automático dos aumentos (que seria talvez o certo a continuar fazendo, via Petrobras, mas com olho em tendências de médio prazo), e criou, via lei complementar, um teto de 17% ou 18% nas alíquotas sobre combustíveis do principal tributo dos entes subnacionais, o ICMS, tradicionalmente bem acima disso, entes que passariam, assim, a contar com receitas menos expressivas.
Só que, segundo se noticia, várias liminares já teriam sido concedidas pelo STF em favor de alguns governos estaduais, como os de São Paulo, Maranhão e Piauí, permitindo a compensação de perdas orçamentárias decorrentes da aplicação do citado teto, via redução da dívida desses entes para com a União. Dentro do exagero que costuma caracterizar suas declarações, o ministro da Economia teria visitado autoridades do Judiciário para argumentar que tais decisões estariam ampliando a “desorganização do regime fiscal...”.
Coerentemente com a postura tradicionalmente cautelosa do STF, penso, assim, que o enfrentamento desse tipo de choque deveria ser realmente definido dentro de um contexto mais amplo, especialmente pelo elevado impacto da mudança pretendida sobre as finanças subnacionais, em alguns casos perto do caos.
Concluo este artigo defendendo uma revisão do posicionamento governamental hoje focado apenas no populista tabelamento de ICMS, não apenas pela lembrança de como, no sistema de mercado, os preços devem refletir seu “custo de oportunidade”, como de algo sobre o que tenho escrito extensivamente, ou seja, a difícil situação financeira dos entes subnacionais nos últimos anos, algo incompatível com a definição de onerar basicamente os orçamentos desses entes para absorver os recentes aumentos dos preços internacionais do petróleo.
Na primeira crise de 1973, quando nossa produção praticamente inexistia, jogaram-se todas as fichas na ampliação da produção interna via Petrobras, e esfriou-se a economia, para reduzir o consumo, enquanto se verificava como o mundo reagiria. Com o surgimento do mercado de petrodólares, países que produziam pouco relativamente ao consumo interno, como o Brasil, puderam financiar parcela relevante de suas compras de petróleo no exterior, e, assim, evitaram cair em uma recessão feroz.
Para piorar, veio a segunda crise em 1979, mostrando que a situação era muito mais séria do que se pensava. Novas estratégias para substituir importações foram definidas, o tempo passou, e, mais recentemente, países como o Brasil, que terminaram descobrindo muito petróleo marítimo e em águas profundas, conseguiram reverter significativamente essa difícil situação, ainda que à custa de pagar uma conta gigantesca de várias formas, que não cabe aqui detalhar.
Já hoje, diante de uma guerra como a da Rússia versus Ucrânia, o preço do petróleo voltou a disparar nos mercados internacionais, mas até se reduziu mais recentemente de forma significativa, mostrando como é difícil lidar com esse tipo de assunto, ainda que, a esta altura, já sejamos praticamente autossuficientes em petróleo.
Basicamente, é preciso saber que, hoje, o “x” da questão para estados e municípios se refere à disparada dos gastos de seus regimes próprios de previdência desde 2006, que tem levado à desabada dos investimentos em infraestrutura, correndo-se o risco de zerá-los, em breve, em muitos casos relevantes, inclusive o do Rio de Janeiro, segundo estado de maior peso econômico na Federação brasileira.
Nesse caso, os dados recentes mostram que, de 2006 a 2021, e descontada a inflação decorrida no período, os gastos previdenciários aumentaram nada menos, e sistematicamente, do que 78,3% acima do IPCA, só que induzindo a queda de nada menos do que 59,3% nos investimentos mais inversões financeiras, no mesmo interregno. Registre-se que essa última queda se decompôs em duas subfases chocantes. Na primeira, de 2006 a 2014, houve até aumento real, da ordem de 112,2%, enquanto de 2014 a 2021 registrava-se a brutal queda de 80,1%.
Registro, finalmente, que, nessas condições, o estado do Rio pode estar caminhando para o caos financeiro, em que pese, curiosamente, o bônus recente da receita adicional (via royalties) ligada exatamente ao petróleo e da venda da empresa de maior dimensão daquele estado, a Cedae, em que a primeira está sujeita a oscilações bruscas e os recursos oriundos da venda da segunda podem acabar, no quadro populista em que o país está inserido, sendo rapidamente direcionados apenas a gastos correntes, conforme se viu no debate inaugural da Band no último domingo.