Além de lidar mal com eventos extraordinários de alta gravidade como a pandemia da COVID-19, entre vários outros fatores desfavoráveis que não caberiam em um simples artigo de jornal, o atual governo não foi capaz de reverter a desabada das taxas de crescimento do PIB que há muitos anos vem atingindo a economia brasileira, desde os 8,7% da década de 1971-80 para apenas 0,3% a.a. na de 2011-20. Sem isso, os empregos não crescem de forma adequada e a população sofre desnecessariamente, pois soluções há. Ou seja, se a disputa é entre Bolsonaro e o experiente candidato Lula, e pensando no bem da população, não há por que não dar a este último a chance de fazer o que é certo – ou seja, algo que o outro não fez. Inclusive porque Lula, na direção correta, já se manifestou, por exemplo, em favor do investimento público e contra o teto de gastos, e, por isso, com ele são maiores as chances de fazer o que é melhor para o país, ainda que se saiba que sua tarefa será nada simples.
O ponto central é que existe uma forte correlação entre os investimentos em infraestrutura, sejam eles privados ou públicos, e o crescimento do PIB (vejam os gráficos que acabo de apresentar ao Fórum Nacional, que presido, em https://youtu.be/XU2Z08iSHbs), mas no Brasil os privados não conseguem ultrapassar a marca média de 1,1% do PIB desde os anos 80, pois, por definição, estes só entram onde a aposta é certa segundo seu cálculo, e, pelo que se vê por aqui, esse cálculo não parece comportar mais que esse nível de gasto. Algo terá de ser feito para mudar isso. Entrementes, dos anos 1980 para cá, os públicos desabavam cerca de 9 vezes, de 5,1 para 0,6% do PIB, pelo virtual esgotamento do espaço orçamentário público com outras despesas. Ouvi de Paulo Guedes, às vésperas de assumir, que ele odiava investimento público, podendo deduzir, portanto, que a dupla Bolsonaro-Guedes não cuidaria da questão fiscal do jeito que considero correto para viabilizar a abertura daquele espaço, a não ser por acaso.
Na mesma toada do mercado financeiro, ele defendeu até outro dia a aplicação do falecido “teto de gastos”, medida emergencial adotada em um momento crítico, que só faria sentido se mudanças legislativas dificílimas de aprovar fossem também adotadas, algo inviável naquele momento. Ou seja, uma contradição em termos... Ao fim e ao cabo, a única coisa que o teto faz hoje é expulsar dos orçamentos o item mais flexível – logo o que mais precisaria aumentar, isto é, os investimentos.
É fato que a tarefa à frente é nada simples, pois o “x” da questão, que o governo que sai ainda não percebeu (ou talvez não tenha dado importância a ele), é que, como os poderosos da vez são contra qualquer tipo de financiamento para investimento público, será preciso reduzir consideravelmente o peso do que costumo chamar de “a grande folha de pagamento”. O problema pega todas as esferas, mas no caso do Orçamento da União, por exemplo, onde se incluem os gastos com benefícios previdenciários, assistenciais e o pessoal ativo, o peso desse “bolo”, no total, passou de 39%, em 1987, para 76%, em apenas 30 anos, ou seja, quase dobrou. Só ajustando esse item se abrirá espaço para aumentar os investimentos que, em 2017, haviam se reduzido para, pasmem, apenas 3% do gasto federal total, algo que só não foi pior porque o peso dos gastos em educação e saúde – algo em si indesejável –, e outras despesas obrigatórias, haviam cedido espaço caindo pela metade, enquanto o das demais despesas correntes discricionárias haviam desabado a quase um terço do se observava em 1987.
Se, por sua vez, olharmos a estrutura dos gastos de uma prefeitura de grande porte, como a da Cidade do RJ, no caso em 2015, ainda que vestido de outra forma o problema se repete. Lá encontraremos uma grande folha (basicamente pessoal ativo e inativos & pensionistas) de não menos que 44,3% do total, enquanto o outro item dominante nesse tipo de ente é composto pelos Outros Custeios Obrigatórios (ou seja, urbanismo, saúde, educação, serviço da dívida, Poder Legislativo, precatórios e outras vinculações de receita), hiper-rígidos, com 38,7% do total, fechando-se a conta com Outros Custeios Discricionários (que somavam 10,6%) e os Investimentos, com estes ficando finalmente com apenas 6,4% do total.
Para completar a análise das dificuldades que, à falta de uma ação mais eficaz da gestão que se encerra, Lula provavelmente terá de enfrentar, a fim de turbinar os indispensáveis investimentos públicos, cabe registrar algo bem pouco conhecido. No momento em que esses investimentos se arrastam para decolar dos minguados 0,6% do PIB previstos para este ano, as tendências à frente são de forte crescimento das despesas previdenciárias, tanto para o conjunto dos municípios (cujo crescimento real médio foi de 12,5% a.a. em 2011-18), como dos estados (5,9% a.a. em 2006-18); do RGPS (ou INSS, de 5,1% a.a. em 2006-20); e do regime próprio da União (com 3,1% de taxa real média de crescimento em 2006-21). Enquanto isso, o PIB crescia à média de apenas 1,6% em 2006-21.