Raul Velloso
É muito alto o crescimento dos gastos previdenciários em todas as esferas de governo, notadamente de 2006 para cá, em que pese o esforço de reforma que ocorre de tempos em tempos. Tanto assim que, para um PIB que crescia, em média, a apenas 1,4% ao ano em 2006-2021, os gastos do regime geral (INSS) aumentaram, em termos reais, a 5,1% em 2006-2020, e, no respectivo regime próprio dos servidores, a 3,1% em 2006-2021. Paralelamente, a despesa dos regimes próprios estaduais crescia à média de 5,9% em 2006-2018, e, no caso dos municipais, à chocante taxa real média de 12,5%, dessa feita em 2011-2018. Daí ao efeito redutor sobre os investimentos públicos (e ao crescimento do PIB) é um passo, como tenho insistido neste espaço.
É claro que, sem a reforma de regras propriamente dita e outras ações focadas em melhoria de gestão, conforme a Emenda 103/19, a Lei 13.846/19 e demais medidas principalmente na área do combate a fraudes, o maior crescimento dos gastos federais, por exemplo, teria acentuado bem mais o problema acima referido. Segundo acabo de apurar, em 2020-22 o impacto adicional reestimado para o conjunto de medidas só para a União foi de R$ 156 bilhões, algo em torno de 80% a mais do que havia sido antes estimado apenas para a reforma.
De qualquer forma, se construíssemos um gráfico com duas variáveis básicas (os déficits ou as despesas previdenciárias, de um lado) e os investimentos, do outro, de 2006 para a frente, especialmente para os entes subnacionais, a situação com que nos depararíamos seria uma em que os déficits previdenciários ou a própria despesa da área acabariam mostrando uma ascensão sistemática e rápida, conforme estudos atuariais existentes, e os investimentos desabariam sistematicamente até zerar não tão longe mais adiante. E cabe salientar que, dada a estagnação dos investimentos privados em infraestrutura, em termos de percentual do PIB, que ocorre há bastante tempo, investimento público zero é algo obviamente inviável para qualquer ente público administrar.
Deve-se ressaltar, em adição, que há outras mudanças que foram tentadas, mas que o Congresso Nacional não aprovou. Uma delas, na área da previdência rural, foi a manutenção da diferença de idade de cinco anos a menos para aposentadoria, relativamente à população urbana, que hoje os estudos demográficos defendem não fazer mais sentido.
Outra seria o ajuste automático da idade de aposentadoria com o aumento da expectativa de vida, e o desafio de, no futuro, igualar a idade de aposentadoria entre homens e mulheres. Esses são pontos a discutir futuramente, na próxima rodada de reformas, inclusive a inclusão de uma camada de capitalização no regime de previdência social, algo que se torna cada vez mais imperioso.
Na verdade, no tocante ao seu regime geral, o país, a exemplo dos casos mais relevantes em termos mundiais, terá de evoluir para uma situação em que convivem três subregimes: (1) camada não contributiva básica equivalente ao nosso BPC; (2) uma camada obrigatória de repartição, também básica, equivalente ao nosso modelo atual de regime geral, porém com um teto menor; (3) uma camada obrigatória básica de capitalização, conforme há pouco sugerido; e (4), para os que têm um rendimento maior, uma previdência complementar opcional.
Passando para a discussão dos regimes próprios de servidores, hoje lá já existe capitalização (ou seja, a constituição de reservas para pagamento de benefícios no futuro), inclusive com a Constituição estabelecendo que eles têm de ser equilibrados financeira e atuarialmente, e a cada reforma as regras têm ficado mais claras sobre como esse equilíbrio deve ser construído.
A implantação desse modelo começou no início dos anos 2000, e, como anteriormente não havia essa preocupação (até porque as despesas eram mais baixas), criaram-se déficits nesse período, em parte porque em muitos casos nem havia contribuições, muito menos a criação de reservas para pagamentos de benefícios no futuro.
O fato é que o Brasil envelheceu, e hoje temos regimes bastante deficitários, ainda que, no caso dos regimes novos criados já dentro do novo marco acima citado, sob maior controle do órgão federal que regula a previdência, a maior parte deles está equilibrada financeira e atuarialmente. Ou seja, entre 200 e 300 casos de municípios totalmente capitalizados e equilibrados financeira e atuarialmente, podendo inclusive ser um “funding” novo e importante para financiar investimento em nosso país.
Há, também, um segundo grupo onde a grande maioria é de municípios com regimes próprios, que foi criado nos anos 1990, logo após a Constituinte, com esforço de capitalização bastante avançado, mas carregando nas costas um período em torno de 10 anos sem capitalização, acabou criando déficits atuariais elevados, ainda que administráveis a médio e longo prazo.
O problema maior está nos regimes mais antigos, onde estão a União, quase todos os estados (especialmente os mais antigos), as capitais e grande parte dos grandes municípios, inclusive com número de aposentados e pensionistas acima dos de servidores ativos. Mais adiante voltarei ao tema. É realmente uma pena que temas como esse não tenham sido objeto de debates nos eventos promovidos pelos principais candidatos a cargos públicos de direção, especialmente no que se refere à candidatura presidencial.