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RAUL VELLOSO

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Lula se irritou com as reações da chamada Faria Lima ao desabafo que acabou de fazer diante da equipe de transição. Ou seja, não bastaria trazer para perto de si o antigo membro do time próximo de FHC, Geraldo Alckmin, como vice, e os brilhantes economistas Persio Arida e André Lara Resende, como assessores próximos. (A propósito, André, a meu ver, é o macroeconomista brasileiro que mais se destacou nos últimos anos.) Só que a Faria Lima quer o teto...



Ocorre que, mesmo sem novos aumentos de gasto, o teto já nascera morto. Diante de um gasto total cuja parcela dominante incluía previdência, assistência social e pessoal ativo (que passara de 39% para 76% do total entre 1987 e 2018), três itens super-rígidos embutidos no gasto total, que normalmente cresceriam acima da inflação, aplicar o teto seria uma temeridade. O item mais relevante do segmento discricionário, os investimentos, por sua vez, caíram de 16% para 3% do total no mesmo período. Ou seja, logo, logo chegariam a zero.

Juntando-se a parcela de 76% acima citada aos demais gastos obrigatórios, com destaque para saúde e educação, que correspondem a 11% do total (gastos esses também rígidos e financiados por percentuais fixos dos tributos federais – as famosas vinculações de receitas), totalizando, ao final, 93% do total, agrava-se a tendência à inviabilidade do teto.

Na verdade, depois de definir o tamanho da furada de teto total que acabará tendo de fazer de qualquer forma no curto prazo, Lula deveria redirecionar a discussão para a defesa de uma solução adequada para se contrapor ao crescimento pífio do PIB nos últimos tempos, pois esse é o real objetivo a ser perseguido. É preciso identificar os porquês e depois definir políticas voltadas para o seu aumento e o do emprego. E essas deveriam conter, obviamente, a solução para a rigidez orçamentária acima indicada. 



Muito disso tem a ver com idêntica desabada da taxa de investimento em infraestrutura, tendo esta caído, no caso do investimento público, não menos do que nove vezes desde o final dos anos 80, de 5,1% para 0,6% do PIB. É fato que a taxa relativa ao lado privado tem se mantido oscilante em torno do valor médio de 1,1% do PIB, verificado desde os anos 80, o que pelo menos reduziu o estrago. 

Nesse ponto, deve-se destacar, primeiro, a forte correlação existente entre investimento em infraestrutura, crescimento do PIB e redução da desigualdade de renda, conforme estudos acreditados. Ou seja, esses são os pontos centrais a considerar, pois a partir do seu equacionamento o governo Lula poderá abrir espaço para investir e crescer mais. 

O que está na raiz de tudo isso é a subida dos gastos previdenciários e assistenciais acima citada, especialmente no Orçamento federal, algo que tem reduzido drasticamente o espaço para investir e para fazer com que o PIB cresça mais. Nesses termos, costumo dizer que o Orçamento público acabou virando uma grande folha de pagamento, e que isso precisa ser revertido urgentemente, o que leva tempo e requer algo mais que o cumprimento de um reles teto anual de crescimento de gastos igual à taxa de inflação.



Só que a explosão do problema previdenciário é algo bem mais amplo e de solução bem mais complexa do que possa parecer à primeira vista, cabendo concentrar a ação corretiva do setor público no chamado equacionamento dos déficits previdenciários de todos os entes, algo que tem ocorrido de forma aprofundada apenas em poucos casos, como no Piauí, que, na recente gestão de Wellington Dias, resolveu levar essa tarefa mais a sério do que os demais.

O passo a passo a ser implementado envolve, primeiro, uma reforma relevante de regras, como a de 2019, embora ela só tenha sido obrigatória para a União (enquanto os demais precisam aprová-la nas respectivas assembleias e câmaras). E, segundo, um aporte relevante de ativos para capitalizar um fundo previdenciário novo que se crie (ou em fundos já existentes), e caminhe para cobrir integralmente o respectivo passivo atuarial. Só com esse tipo de solução é que se abrirá espaço relevante para investir mais e retomar o crescimento do PIB. Idealmente, esse esforço deveria ser levado adiante por todos os entes públicos existentes: União, mais de 20 estados e mais de 2.000 municípios, que Lula reuniria de forma virtual com a grande maioria em janeiro, e se tornaria um esforço global do país para configurar uma retomada de amplo alcance, ainda que venha a exigir alguns anos de implementação.

No curto prazo, Lula e os demais dirigentes apresentariam a primeira parte de um plano de gastos públicos especialmente focados em infraestrutura, de forma coerente com metas minimamente razoáveis de crescimento do PIB, a que o setor privado seria convidado a aderir e ajudar a viabilizar. De passagem, o teto seria extinto no momento oportuno por uma PEC, e simultaneamente substituído por outro mecanismo agora previsto não mais em Pec, mas em lei ordinária e com duração mais longa, podendo ser revisto e ajustado de tempos em tempos. Sem isso, a Faria Lima não descansará...