O grande drama da nossa gestão macroeconômica desde 2016 foi termos aprovado a emenda constitucional do teto dos gastos (ou seja, a EC-95 daquele ano), acreditando que fixar um limite para o aumento dos gastos públicos igual à inflação decorrida seria estabelecer a melhor âncora fiscal possível para o país. Especialmente com o PIB evoluindo a taxas positivas, qualquer crescimento de receita produziria, com o teto operando, saldos fiscais positivos e até crescentes, permitindo a redução da razão dívida pública/PIB entre outros resultados favoráveis do ponto de vista macroeconômico.
Só que, desde a sua criação, o teto praticamente não foi cumprido em qualquer exercício, porque seus criadores se esqueceram de ver que, como a estrutura dos gastos da União é extremamente rígida em face da forte concentração da pauta em gastos obrigatórios (isto é, obrigados explícita ou implicitamente pela legislação respectiva a evoluir a uma taxa quase sempre superior à inflação), só por milagre o teto seria obedecido em uma primeira instância. Além disso, não foi percebido que, já na largada, a apuração do teto estava desgarrada daquele que seria o principal instrumento de apoio à sua viabilização.
Tratava-se da aprovação de outra emenda que há algum tempo se discutia, dessa feita concentrada no ajuste das regras previdenciárias, e, mais importante que isso, contendo a exigência de se promover o equacionamento do problema previdenciário brasileiro (ou seja, a zeragem dos déficits financeiros e atuariais de todos os regimes previdenciários públicos), algo que até hoje não foi bem percebido pelos que atuam na área, emenda essa que, contudo, só seria aprovada três anos depois, no final de 2019 (EC-103). Com o auxílio da aplicação dessa última medida, uma parte mais otimista dos que acompanham o assunto esperava que a regra do teto tivesse um futuro mais promissor em termos dos efeitos desejados para a sua aplicação.
A propósito, os dados mais recentes mostram, primeiro, que o gasto obrigatório total alcançou em 2021 a marca de 96,9% do gasto total, ante o valor bem menos expressivo observado três décadas antes (1987), isto é, 66,3%. Para os dois itens de maior peso no total, previdência e assistência social, as marcas são, respectivamente, 51,8% e 16,4% do total em 2021, ante 19,2% e 9,1% do total em 1987.
No primeiro caso, houve o crescimento de não menos que 169,8% na participação percentual de 2021 contra 1987. Já no segundo, o crescimento foi de 80,2%. Ou seja, por uma questão de obrigatoriedade legal difícil politicamente de ajustar nas condições vigentes nos regimes previdenciários verificou-se um elevado crescimento nas participações percentuais respectivas. No tocante à assistência percebe-se uma clara explicitação da prioridade a esse setor, em face das enormes carências da p Foi-se a âncora, e não faltam reclamações, especialmente as oriundas dos mercados financeiros para que se retome esse esforçoopulação brasileira.
Em resumo, deve-se dizer que, desde que foi aprovado, diante de mais e mais gastos a implementar sem conseguir compensá-los por ajuste dos restantes, mesmo com a ajuda da implementação da EC-103, ainda não foi possível cumprir o teto de gastos previsto na EC 95, em que pese as pressões variadas em favor de sua introdução, fosse de macroeconomistas, de representantes dos mercados financeiros ou quem não... Em face disso, o governo foi levado a aprovar novas emendas perdoando-o de cada não cumprimento..
Isso é algo que vem colocando o Executivo em uma situação bastante desconfortável em suas tratativas com o Congresso, pois este, em troca do apoio às PECs por aquele apresentadas, vem exigindo valores adicionais cada vez mais expressivos para destinar obrigatoriamente as verbas de seu interesse (isto é, dos parlamentares-líderes, merecedoras ou não de apoio), especialmente durante a aprovação da proposta orçamentária anual.
Enquanto discute com Deus e o mundo a nova regra definitiva que tentará aprovar no Congresso para valer a partir de 2024 (ou seja, o substituto para o velho teto...), o governo que entra faz entrementes mais do mesmo, ou seja, está negociando com o Congresso mais uma emenda constitucional que lhe conceda o perdão pela iminente violação do teto em 2023 (por o gasto total crescer bem mais, como antes, do que a regra do teto permitiria), e que lhe autorize, em adição, a ampliar programas e regras que lhe parecem fundamentais, como a de assegurar um Bolsa-Família de R$ 600 mais R$ 150 por criança, entre outras medidas prometidas na campanha eleitoral.
Quanto à regra definitiva, se a norma do teto for mantida, será preciso considerar a introdução de ajustes, como a exclusão dos investimentos no cálculo respectivo em uma certa medida a ser definida. Além disso, usar o conceito de déficit previdenciário e não de gasto. E, finalmente, excluir do cômputo os gastos financiados com receita diretamente arrecadadas pelos órgãos. Afora isso, fazer um esforço de equacionamento dos déficits financeiros e atuariais de todos os entes, como acima salientado.