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OPINIÃO

Âncora certa, maior PIB: o desafio do novo governo

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Um dos principais desafios do novo governo no campo econômico é aprovar, até agosto, conforme previsto na PEC da Transição, uma nova âncora fiscal para evitar que a dívida pública cresça continuamente acima do razoável. Isso se vai contrapor ao fracassado “teto de gastos”, que, após atuar bem por um período curto, rapidamente deixou de funcionar.



Sem entrar nas entranhas da despesa pública, imaginou-se lá atrás que bastaria fixar uma meta aceitável de crescimento do gasto não-financeiro total (meta essa, no caso da União, igual à inflação decorrida), para que, com vontade política mediana, se obtivesse esse resultado via uma gestão convencional na área do dispêndio público.

A prática se revelou bem diferente, com o crescimento deste parecendo não ter limite, daí os mercados exigirem uma taxa de juros cada vez mais elevada para “rolar” a dívida pública, com tudo de ruim que isso implica.

O “x” da questão, pouco percebido, é a extremamente rígida estrutura do gasto público que se materializou ao longo do tempo em nosso país. Com foco na União, apenas dois itens, previdência e assistência social (esta uma prioridade óbvia), que em 1987 correspondiam a 28,3% do total, em 2021 passaram a ostentar o peso total de 68,2%. Ou seja, o peso de tal aglomerado cresceu não menos que 141% nesses 34 anos.




Assim, como alguns outros itens crescem a taxas também elevadas, a contenção dos itens menos rígidos, notadamente os investimentos, hoje super comprimidos em todos os cantos, não se mostra mais capaz de impedir o desastre.

Além do mais, os gastos das demais esferas de governo, mais de 20 estados e acima de 2 mil municípios, têm mostrado comportamento similar, com a ênfase do maior crescimento recaindo exatamente sobre o item previdência.

Para sentir o tamanho do problema, e considerarmos os gastos previdenciários de todas as esferas em um período mais recente, o crescimento real médio se situou, em ordem crescente, em 3,1% e 5,1% a.a. na União (o primeiro se referindo ao regime próprio e o segundo ao do INSS, em 2006-21 e 2006-20, respectivamente); 5,9% a.a. no regime próprio dos estados (2006-18); e 12,5% no dos municípios (2011-18).

Especialmente por essa razão, e mantidas constantes as razões investimento privado/PIB, os investimentos públicos em infraestrutura de todas as esferas públicas vêm desabando há muitos anos. Em % do PIB, a taxa de investimento público em infraestrutura caiu 9 vezes do final dos anos 80 até hoje, e junto com ela a taxa de crescimento do PIB, esse o grande drama.



Assim, o outro desafio central que o novo governo irá encarar, fortemente associado ao primeiro, é a retomada do crescimento econômico a taxas razoáveis, após décadas de desempenho pífio, o que nos traz de volta aos excessivos gastos previdenciários e aos parcos investimentos.

O fato é que, conforme estudos de destaque na área, quanto maiores os investimentos, maior o crescimento do PIB e menos desigual a distribuição de renda. E não adianta esperar muito por enquanto do lado dos investimentos privados, pois a razão investimento privado em infraestrutura/PIB está estagnada em torno de 1% do PIB desde os anos 80, e nada tem parecido capaz de movê-la daí.

Ou seja, na essência, não há como fugir da promoção do equilíbrio financeiro e atuarial de todos os regimes próprios de previdência, conforme o Par.1º. do Art. 9º. da EC 103/19, embora muito pouco se tenha feito nessa direção, o que é difícil de entender. Assim, aquilo que deveria constituir o núcleo da nova âncora fiscal, ou seja, o comando para a zeragem dos déficits previdenciários, já até existe.



Falta só implementá-lo com muito maior disposição. Zerados esses déficits, cria-se o espaço para investir mais e melhor, e, finalmente, crescer o PIB, o emprego e, por tabela, a receita pública.

A União precisa dar o exemplo, mas, com foco no caso mais frágil dos estados e municípios, devem-se projetar os déficits previdenciários nas próximas décadas, algo que já é uma rotina estabelecida nos entes, e finalmente calcular em quantos anos os investimentos, por falta de espaço, tenderiam a desaparecer.

Por volta de 2019, fiz esse cálculo para o estado mais rico da federação, São Paulo, e, pasmem, verifiquei que, depois de ter investido R$ 30 bilhões em 2009, a preços de 2019, isso tenderia a acontecer já em 2025, caso nenhum ajuste previdenciário fosse feito. Hoje esse quadro mudou um pouco, mas ainda assim sua situação financeira crítica é chocante.

No outro extremo em termos de dimensão, temos o caso do meu Piauí que, graças à competente gestão de Wellington Dias e equipe, cujo esforço de equacionamento acaba de reverter (2022) uma situação de déficit previdenciário previsto em R$ 1,8 bilhão para algo ao redor de R$ 0,3 bilhão.

Aproveitando a experiência de organizações que já existem, como o consórcio de governadores que Dias até a pouco dirigia, e as confederações de municípios, Lula deveria reunir os atuais titulares desses entes com Dias do seu lado, e apoiar a montagem e execução de um verdadeiro programa de equacionamento para o país voltar a crescer.