A exigência de se ter uma âncora fiscal crível que delimitasse o espaço a ser ocupado pelos gastos públicos na demanda agregada do país levou a questões do seguinte tipo: 1) Por que regras como a do teto de gastos igual à inflação decorrida não funcionam bem como tal, sem falar em outras regras mais antigas e hoje talvez com prazo vencido?; 2) Por que se diz que o teto de gastos aplicado em países como a Suíça funcionaria melhor do que no Brasil?; 3) Por que não adotar um limite para o crescimento da razão entre a dívida pública e o PIB, como fazem alguns dos principais países desenvolvidos, onde, curiosamente, na maioria dos casos, ela costuma ser bem mais alta do que a nossa?
O que matou o teto de gastos foi o fato de que o grosso dos gastos do Orçamento Geral da União é composto pelos chamados gastos obrigatórios, ou seja, aqueles cuja realização decorre de alguma exigência legal muito difícil de alterar, prima facie. (Uma rigidez tão grande e desse tipo não parece ocorrer na maioria dos países desenvolvidos, como a Suíça.) Daí os cortes acabarem se concentrando nos gastos discricionários, bem mais flexíveis do que o primeiro grupo, e onde o item de maior peso correspondia, lá atrás, exatamente aos investimentos em infraestrutura, hoje quase zerados.
Naqueles, a soma das parcelas, se considerarmos todas as esferas de governo, teria caído o absurdo de 9 vezes entre o fim dos anos 80 e o momento atual, quando medida em % do PIB, comprometendo pesadamente as possibilidades de crescimento do PIB e de redução da desigualdade de renda do país por esse caminho, conforme estudos acreditados.
Quanto à tentativa de controlar a razão entre a dívida e o PIB, somente mais recentemente macroeconomistas de destaque no mundo desenvolvido se deram conta de que há um grave erro conceitual que é cometido quanto se divide um estoque (o da dívida pública) por um fluxo (o PIB), pois o correto seria escolher duas variáveis de mesma natureza (por exemplo, só fluxos, ou, então, só estoques), o que leva a se superestimar fortemente o peso do endividamento público nas economias em geral. Se dividíssemos variáveis compatíveis, chegaríamos a resultados bem menos elevados em todos os países. Nesse sentido, as apurações da razão dívida-PIB dos países desenvolvidos produziriam valores bem mais baixos do que as apurações correntes indicam, e, no nosso caso, mais baixos ainda.
O ponto central é que o governo precisa estabelecer uma política de ajuste cujo foco, para ter eficácia, seja nos itens de maior peso no gasto total, não apenas na União, como nos estados e municípios, pois por aqui a União acaba assumindo parcela relevante da despesa das demais esferas de governo, como nos programas de refinanciamento de dívidas. Além disso, precisa ser uma política de prazo mais longo que, se necessário, abarque pelo menos os mandatos atuais.
Na verdade, de 1987 para mais recentemente, a estrutura do gasto não financeiro federal, aquele cujo crescimento se busca conter, ficou fortemente enviesada na direção de apenas dois itens difíceis de mexer: previdência e assistência social. O primeiro, super-rígido em si, e o segundo por ser superprioritário (e, portanto, também super-rígido). Assim, qualquer medida convencional tipo teto acaba produzindo uma forte redução não desses dois, mas dos demais itens, itens esses hoje caminhando para a zeragem final (notadamente os investimentos em infraestrutura).
De lá pra cá, o item que resulta da soma de previdência com assistência acabou aumentando de 28% para 68% do total, sendo previdência, sozinha, responsável pelo aumento de 19% para 52%, algo realmente chocante... Enquanto isso, o peso do item investimento público em infraestrutura se reduzia de 16% para 2% do total, esse, sim, um resultado ainda mais preocupante! Ou seja, quando o teto veio, de um lado, havíamos virado um país de aposentadorias bancadas por todos os governos, pois essa mesma história se mostra em mais de 20 estados e de 2 mil municípios. E, do outro, o setor público como um todo, que sempre foi o grande investidor em infraestrutura, havia parado de fazer isso.
Assim, deve-se trocar o teto por um programa de equacionamento previdenciário em todas as esferas de governo, a ser lançado por Lula, e coordenado por alguém como Wellington Dias, a ser implementado até o final do seu primeiro mandato. Por que Wellington? Com base na experiência superexitosa do Piauí, que conheço de perto, e por ele coordenada, que está por ser concluída. Além de meramente cumprir um preceito constitucional (§1º do art. 9º da EC 103, de 12/11/19, que obriga todos os entes a fazerem o equacionamento previdenciário), esse programa abrirá um enorme espaço orçamentário em todas as esferas de governo, que pode ficar “desocupado” (isto é, não ser gasto – o que implica reduzir a dívida pública, para deleite do mercado financeiro), ou ser ocupado com programas prioritários do governo, conforme o momento vivido, incluindo, obviamente, a recuperação dos investimentos em infraestrutura e do crescimento do PIB (além de outras vantagens daquela decorrente).