Jornal Estado de Minas

RAUL VELLOSO

Como o teto de gasto se torna regra simplória no momento atual

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O problema macroeconômico central que se alega, no momento, é que inexistiria uma âncora fiscal (ou proteção formal) crível no país contra subidas exageradas da dívida pública, em substituição ao falecido teto de gastos, regra constitucional falida sob a qual o gasto público total não poderia subir mais que a inflação anual. Fiquemos atentos ao fato de que, na verdade, regras simplórias tipo teto de gastos não têm como funcionar quando a estrutura do gasto público é tão rígida como a nossa, e, além disso, dominada principalmente por um item difícil de se lidar, como previdência, com o peso de 52% do total, na União, e, subsidiariamente, por um segundo e relevante componente, exatamente o de assistência social (com 16% do total), a nova prioridade governamental número um. Juntos, os dois representaram quase 70% do total em 2021.





Dito de outra forma, o problema é o elevado percentual abocanhado pelos chamados gastos obrigatórios, aqueles previstos em legislação muito difícil de alterar, embora o gasto em assistência social tenha sido sempre classificado pela burocracia pública como discricionário, algo que, em tese, facilitaria seu ajustamento para baixo. Só que, como acabo de dizer, esse gasto virou a prioridade um do atual governo Lula, derivando-se daí sua atual alta rigidez.

Cabe salientar ainda que, como parte central dos esforços para tentar cumprir o teto que praticamente não funcionou, há muito os investimentos públicos em infraestrutura estão em queda e, portanto, deixando o país sem condições de crescer economicamente. Estudos acreditados do Banco Mundial atestam, também, que a desigualdade de renda piora com a redução desses investimentos.

Por último, fica a dúvida: como pôr em prática a nova prioridade governamental máxima, a assistência social, sem deteriorar ainda mais a situação fiscal?

Pasmem, contudo, que esse problema pode até já ter uma solução jurídica razoavelmente encaminhada, a que foi criada no plano mais alto pelo parágrafo 1º do artigo 9º da Emenda 103/19, com a força que está implícita nesse tipo de ato, que manda simplesmente que se equacione o problema previdenciário de todos os entes públicos (ou que se zerem os déficits atuariais existentes). Vale dizer: caberia só executá-la.





Só que, tratando-se do que se trata, isso é algo que tende a ser executado por meio de um ritual bastante complicado, especialmente por exigir bastante tempo e disposição política para ser implementado, nos quatro anos dos atuais mandatos da União e dos estados, juntamente com metade disso para os municípios, embora tal ritual seja razoavelmente conhecido. Sem falar na dificuldade de convencer os mercados financeiros que tal saída se constituiria, de fato, em uma verdadeira âncora fiscal.

Adicionalmente, deve-se ponderar que, no caso da União, é grande a preponderância do déficit do Regime Geral (ou seja, do INSS), onde se pode reduzi-lo, mas não, rigorosamente falando, pelo menos no momento, equacioná-lo integralmente. Nesse caso, para abrir espaço orçamentário já se fez uma importante reforma de regras em 2019 (veja-se a Emenda 103 antes citada) e um grande esforço de combate a fraudes. Sem falar que é preciso estar sempre examinando com atenção a validade dos subsídios e incentivos fiscais entranhados na despesa do INSS, como no caso das aposentadorias rurais, do Mei microempreendedor individual) e do sistema Simples. À parte isso, há, sem dúvida, o déficit de menor dimensão do regime próprio dos servidores federais por equacionar, a exemplo do que se precisa avançar no caso dos demais entes, onde o exemplo que é dado pelo esforço de ajuste a cargo da União não é tão relevante como poderia ser. A União, aliás, que encabeça mais de 300 unidades gestoras de previdência, sequer conseguiu criar até agora uma unidade gestora única, conforme previsto em projeto de lei enviado ao Congresso em 2021. Ou seja, cabe atuar mais nessa área.

Isso abrirá maior espaço orçamentário em todos os entes para não apenas investir mais em infraestrutura, como gastar mais e melhor na área de assistência social, conforme tem prometido insistentemente o novo ministro da área, Wellington Dias.





O ministério de Dias tem amplo escopo de atuação: além de ser o gestor macro de um amplo sistema de assistência social executado pelos estados, municípios e entidades filantrópicas no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), é responsável pelas duas maiores políticas de transferência de renda do Brasil fora a previdência rural, que são o Bolsa-Família e o BPC/LOAS; além de políticas ativas de redução da fome e da pobreza, como é o caso da inclusão socioeconômica e o auxílio-inclusão. Essas políticas deveriam não apenas estar integradas entre si, como também integradas com outras políticas sociais como as de trabalho, previdência, educação e saúde.