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Ancorar do jeito certo

O segundo tema macroeconômico crítico do momento no âmbito interno é o da substituição do falecido teto de gastos


21/03/2023 04:00



Enquanto o mundo desenvolvido procura entender o que está acontecendo na atual crise bancária, há pouco deflagrada após forte subida dos juros básicos americanos, o Brasil, que, na mesma batida, mais uma vez pratica taxas básicas de juros altíssimas, com a taxa Selic do momento rodando a 13,75% a.a., estando a Selic real entre 7 e 8% se deduzirmos as expectativas de inflação, engatinha sob um novo e radicalmente diferente comando político. Neste momento, examinam-se: 1) possíveis correções de curso em relação à política macroeconômica que vinha sendo seguida pelo governo anterior; e 2) a construção de um novo arcabouço fiscal capaz de nos proteger no transcurso das intempéries que, como a atual, acabam desabando sobre nossas cabeças. Essas são duas batalhas a serem enfrentadas simultaneamente.
 
Uma questão certamente fundamental para nós é para qual taxa de juros real máxima o nosso Banco Central deveria mirar. Em que pese tudo de complicado que possa estar acontecendo, é de se acreditar que ela deveria continuar a ser nada mais do que algo próximo da taxa esperada de crescimento do PIB, que, segundo a pesquisa do Banco Central, é de 1,5% a.a., na média de 2023-26, taxa essa que, assim, seria também uma boa estimativa do crescimento anual real da arrecadação tributária. Ou seja, já estamos pagando, grosso modo, de juros, 6% a mais do que deveríamos estar fazendo, vale dizer, algo como 7,5 menos 1,5, juros esses incidentes sobre a dívida pública que nos cabe administrar.
 
Nesse contexto, se adicionarmos as pressões oriundas de declarações do próprio Lula da Silva, sinalizando a mesma percepção de que haveria “gordura” nos juros altos de hoje, não importando o tamanho da nova ameaça de crise e a constatação de que existe muita resistência da direção do Banco Central para diminui-los, a briga contra os juros altos certamente continuará na ordem do dia.
 
Já o segundo tema macroeconômico crítico do momento no âmbito interno é o da substituição do falecido teto de gastos, regra geral que previa que o gasto total não cresceria mais que a inflação, por uma nova “âncora fiscal”, ou seja, por algum mecanismo que assegurasse o controle do déficit público ou da expansão da dívida pública, mas do jeito certo.
Por que o teto não funcionou? Porque, passados apenas alguns anos, e com o governo conseguindo ajustar apenas a parcela flexível do orçamento,  os gastos discricionários praticamente zeraram, algo obviamente insustentável.
 
Dada a arrecadação de tributos, o que significa controlar “do jeito certo”? Vamos às entranhas do gasto da União. Pelo que Lula da Silva tem dito e repetido, os itens Saúde, Educação e Assistência Social, que totalizaram em 2021 nada menos do que 33% do total, deveriam ser encarados pura e simplesmente como se fossem “investimento” (ou seja, como algo prioritário, ou que amplia a capacidade de o governo prestar serviços essenciais no futuro), mas não como gastos quaisquer sujeitos a cortes.
Ou seja, nesse sentido seriam considerados basicamente “imexíveis”.
Na sequência, se a esses adicionássemos o item Previdência, com 52% do total, que é igualmente obrigatório (como Saúde e Educação), ou essencial (como mais propriamente designaríamos a verba para Assistência Social), chegaríamos ao subtotal de 85% do total, deixando de fora apenas as verbas chamadas de discricionárias (com apenas 15% do total, e, por sua vez, incluindo, notadamente, os reduzidos investimentos em infraestrutura, com ínfimos 2% do total).
 
Assim, diante da forte redução dos gastos discricionários, que foram espremidos ao extremo na aplicação da regra do falecido teto de gastos, por exclusão o único item que faria sentido tentar ajustar agora seria exatamente o item Previdência, que, em 2021, teve o seu peso no total aumentado para 52%, sendo de 9% o peso do gasto do Regime Próprio da União e de 43% o peso do Regime Geral.  Dessa forma, completar a tarefa de ajustar do jeito certo significa promover o equacionamento do passivo atuarial dos regimes próprios, conforme, aliás, está previsto no Par. 1º. do Artigo 9º. da Emenda Constitucional nº 103 de 12/11/2019, e não se cumpre na grande maioria das esferas de governo. Além disso, no Regime Geral, devem-se pelo menos reduzir os subsídios embutidos na arrecadação.
 
Nesses termos, é preciso ter muito cuidado em não continuar aplicando regras tão gerais com a do “teto de gastos”, sem olhar a estrutura do gasto com uma lupa e entender o que deve e o que não pode ser atacado no processo de ajuste.
 
Além disso, cabe levar em conta que o setor público brasileiro inclui não apenas a União, mas também Estados e municípios, onde o problema previdenciário é exatamente o mesmo, e cujas dificuldades financeiras podem ser descarregadas em princípio para a “grande mãe”, ou seja, a União.
 
Para encerrar, custa nada destacar o enorme peso isolado do item previdência, que só na União representou 52% do total em 2021, sendo este o item que, também, tem mostrado o maior peso de todos seja nos Estados, seja nos municípios. Não foi por outro motivo que se colocou na Constituição a obrigação de todos os entes zerarem seus passivos atuariais ou previdenciários, algo ainda por acontecer.

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