Entre os principais problemas que impedem o país de fazer a economia crescer a taxas adequadas se situa a falta de equacionamento previdenciário. E o pior é que existe uma determinação constitucional recente para se atacar exatamente esse problema (Par.1º. do Art.9º. da EC 103/19), mas sem resposta à altura. Outro ponto que vale a pena enfatizar é que essa tarefa não é apenas da União, mas de todas as esferas de governo. O fato é que o problema requer diagnóstico e solução que se estenda a todos.
Alguns pontos críticos podem ser explicitados aqui. Equacionar é zerar os gigantescos déficits que existem nessa área. O conceito mais adequado para se usar é o de déficit atuarial, que é o valor presente dos déficits financeiros (isto é, despesas menos receitas) anuais, calculado a uma taxa de juros também adequada. Em vez de terem zerado, os déficits atuariais recentes de todos os entes são nada menos do que R$ 890 bilhões nos municípios; 3,1 trilhões nos Estados e 1,3 trilhão na União. Dimensão chocante, não é? Daí ser tão difícil zerá-los.
A última reforma de regras aprovada pela União (2019) foi importante, mas teve o defeito de não valer automaticamente para todos os entes. Cada um teria de enfrentar a forte e tradicional oposição local, e aprovar a sua própria reforma. Além de mudar regras, os entes têm de identificar e aportar ativos à previdência para ajudar a pagar a conta. Quando os déficits não são tão altos, uma contribuição extraordinária dos entes por um período relativamente (mas não tão) longo, para ser crível, poderia dar conta do recado final. Antes de passar a este, cabe mostrar o que nos atinge por não fazermos o ajuste certo.
O grande drama da falta de ajuste previdenciário é o esgotamento do espaço para investir em infraestrutura (ou em gastos discricionários em geral) que acaba ocorrendo. Do fim dos anos 1980 até há pouco, e quando medido em % do PIB, o investimento público em infraestrutura desabou não menos que 8,5 vezes. Enquanto isso, o privado ficava estagnado em torno de 1,1% do PIB em todo esse período. Ou seja, dane-se a infraestrutura brasileira, e, portanto, a recuperação da economia e dos empregos.
Assim, se não se fizer o que é necessário para completar o ajuste previdenciário, não é tão difícil prever como e quando os investimentos públicos acabarão sendo zerados (essa, sim, uma grande desgraça para todos nós), e que é algo não tão difícil de se projetar, dados os bons estudos atuariais que existem na internet. No meu Piauí, calculei, mais atrás, que zerariam em 2022. Em vez disso, graças a políticas corretas, o estado pôde investir R$ 1 bilhão. Mas mesmo lá ainda há muito o que fazer.
Diante disso, em adição às providências que citei anteriormente, para completar a tarefa do equacionamento previdenciário na grandessíssima maioria dos casos, falta transformar o regime atual em um regime equilibrado, e de uma tacada só.
Quando o déficit for muito alto, cabe separar os servidores em dois grupos: um com os que ingressaram antes (I), e o outro (II), com os que ingressarão após uma certa data de corte, digamos, hoje. A princípio, deve-se deixar de lado os servidores do grupo II, pois quando suas contribuições ingressarem após sua admissão, em tese elas serão aplicadas com vistas a lastrear os benefícios futuros associados ao mesmo grupo.
Quanto aos servidores existentes (grupo I), sua situação é bem mais complicada, e a próxima etapa do “jogo” passará a se concentrar ali. Nesse caso, as despesas com benefícios teriam de ser cobertas, enquanto houvesse recursos suficientes, pelas contribuições associadas àqueles.
Só que, diante dos altos desequilíbrios financeiros correntes que já devem existir, em face do esgotamento do antigo regime de “repartição simples”, é de se prever que, por ali, esses déficits venham há muito subindo. E que, sem ajuste, tendam a crescer mais ainda no curto prazo, pois as receitas adicionais dos novos entrantes não mais socorrerão o grupo antigo, como costumava acontecer. Denomina-se exatamente de “custo de transição” a perda associada à transição do regime antigo para o novo.
Para lidar com tudo isso, a saída que hoje se costuma chamar de “transferência dinâmica de vidas” envolve, primeiro, transferir, gradativamente, a parcela dos mais velhos do grupo I – cujo custo corresponda exatamente ao valor aplicado com base nas contribuições dos novos no fundo II – para este, a ser coberta exatamente pelas contribuições dos novos servidores, reduzindo-se consideravelmente o “custo de transição”.
Para fechar a tarefa, cabe promover a compensação da perda destas, vinculando, gradativamente à frente, uma nova receita relevante à previdência, como a do Imposto de Renda Retido na Fonte dos Servidores, para fechar a conta de lastreamento dos pagamentos de benefícios dos participantes do grupo II.
Para concluir, outros ativos que devem ser aportados são imóveis, geralmente mal administrados pelo setor público, e que poderão gerar importantes receitas para a segregação dinâmica, se monetizados adequadamente, via fundo de investimento, de acordo com as regras da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), do Conselho Monetário Nacional (CMN) e do próprio Ministério da Previdência.