Jornal Estado de Minas

COLUNA DO RAUL VELLOSO

É hora de repensar soluções para a situação dos portos brasileiros



Se jogarmos o foco sobre o que ocorreu no segmento de infraestrutura como um todo nas últimas décadas, veremos que o investimento literalmente colapsou nesse segmento. De uma participação da ordem de 5,5% do PIB nos anos 80, passamos para percentuais gastos ao redor de 1,5% do PIB em anos mais recentes. Como seria de se esperar, dado o forte elo entre a expansão da infraestrutura e a do PIB, observou-se, simultaneamente, uma forte redução na taxa de crescimento dessa última variável. Assim, por conta de nosso baixo nível de investimento em geral, e particularmente em infraestrutura, as taxas médias de crescimento daquele que os economistas chamam de PIB Potencial se encontram hoje em patamares muito baixos para os nossos padrões, mal chegando a 2% anuais. De onde vem isso?

No caso da União, por trás está o forte crescimento dos gastos previdenciários, que consumiam cerca de 19% do total em 1987, e passaram a representar algo próximo de 52% das despesas primárias em 2021. Movimento similar ocorreu com os estados brasileiros em função do envelhecimento da população e da não renovação integral do número de servidores ativos. A situação atual é caracterizada, em primeiro lugar, por um forte déficit financeiro anual: somente os regimes próprios dos Estados registraram um déficit de R$ 85 bilhões em 2022. Alí, a União registrava um déficit de R$ 50,5 bilhões, e os municípios, de R$ 5,7 bilhões. Essa situação aparentemente mais confortável para estes reflete apenas o fato de se tratarem de regimes próprios mais recentes.





O mais grave, contudo, é que o problema previdenciário não se limita aos déficits financeiros que vêm sendo observados ano a ano, mas embute um elevado déficit atuarial. Expressos, como nesse caso são, em termos de valor presente, os déficits atuariais mais recentes nos regimes próprios dos Estados totalizam R$ 3,1 trilhões; o do regime próprio da União, R$ 1,3 trilhão; e o dos regimes próprios municipais, R$ 0,9 trilhão. Dessa forma, a pressão sobre as contas públicas decorrente da necessidade de pagar as aposentadorias desses regimes permanecerá por muitas décadas ainda. O que fazer?

Nesse cenário, a forma de ajuste das contas públicas que tem sido escolhida (e que certamente continuará a ser feita na ausência de novas reformas e outras providências) é por meio da compressão das despesas discricionárias, notadamente os investimentos. Não é por outro motivo que, quando se decompõe o investimento em infraestrutura nas últimas décadas, se observa que a maior parte da redução decorreu da queda dos investimentos públicos.

Já a situação dos investimentos privados, que se têm mantido em patamares reduzidos (ainda que estáveis), ao redor de 1% do PIB, o que é obviamente pouco para os desafios que se colocam à frente do país, tem variado conforme o segmento considerado. Em síntese, para que o Brasil alcance taxas mais elevadas de crescimento do seu PIB, é necessário que o investimento em infraestrutura aumente tanto mediante a injeção de um maior volume de capital público, como também de capital privado. Para aumentar o investimento público, é óbvio que é preciso garantir que os entes federativos disponham de recursos para tal, e, portanto, que é imprescindível equacionar o seu desequilíbrio previdenciário. Já no caso do setor privado, é preciso ter um diagnóstico adequado à mão que evidencie com clareza os principais obstáculos que se interpõem à sua expansão, algo que envolve diferentes situações e encaminhamentos, conforme o segmento considerado.

A solução que venho apresentando em diversos fóruns para o equacionamento da questão previdenciária passa por apartar parte das receitas dos entes públicos para constituir um fundo que pagará as aposentadorias dos servidores que ingressarem no regime próprio a partir de uma determinada data. Esse fundo deverá ter gestão privada e investir em ativos que garantam retornos, em média, mais elevados do que os dos títulos públicos, e poderá contar com aportes do setor privado.





Como tenho falado à larga em meus canais sobre o equacionamento do problema pelo lado público, especial importância deveria ser dada agora à infraestrutura portuária, onde a participação do setor privado é decisiva, e em que, no caso brasileiro, vem recebendo investimentos inferiores aos modais com que ela diretamente compete, quais sejam, o rodoviário e ferroviário. Caberá ter à mão, também, uma comparação da situação brasileira com a dos demais países, em especial com a situação dos países emergentes, notadamente a dos latino-americanos.

Em 2019, elaborei um estudo que listava os principais desafios setoriais daquele momento: ameaça sobre a possibilidade de cobrança de um serviço de segregação e entrega (SSE); proibição de cobrança pelo serviço de escaneamento; risco de tabelamento dos serviços oferecidos pelos terminais portuários e cobrança do IPTU para as concessionárias. Essa lista está certamente desatualizada, e, portanto, será necessário reexaminar o assunto para poder avaliar quais são os principais problemas que o setor portuário vem enfrentando no país no momento atual e as possíveis formas de equacioná-los.