Jornal Estado de Minas

RAUL VELLOSO

Para arrumar a gestão macroeconômica é preciso equacionar a Previdência


Aos poucos – talvez demasiado lentamente – cresce a percepção de que, na raiz da encrenca macroeconômica brasileira, os que causam maior estrago são exatamente os desequilíbrios previdenciários. Isso se deve em boa medida ao expressivo envelhecimento dos regimes, principal causa para os respectivos déficits financeiros dispararem.





Em face disso, primeiro se reduziu fortemente o espaço disponível para outros gastos, notadamente os discricionários, a ponto de, entre 1980 e 2022, a taxa de investimento público em infraestrutura da União, por exemplo, cair 6,5 vezes, de 3,9%, para 0,6% do PIB. Na sequência, o crescimento médio do PIB caiu de 8,9% em 1980, para 1% a.a. em 2022. Um verdadeiro desastre! Só que, mesmo assim, os expressivos déficits primários (isto é, exclusive o serviço da dívida) que ainda restaram foram redirecionados às autoridades monetárias para serem financiados.

Daí ao pesado impacto sobre a dívida pública foi um passo, pois esta chegou em 2021 a não menos que  R$ 5,7 trilhões, aparentemente a principal herança da fase precedente que deveria nos preocupar.

Visto com outros olhos, contudo, isto é, olhando para a frente como poucos fazem, o passivo atuarial de todos os regimes próprios do país, que resulta da soma, em termos de valor presente e a uma taxa de juros adequada, dos fluxos dos déficits futuros, sem qualquer mudança relevante à frente, se tornou gigantesco. Isso dá destaque a um ponto quase nunca salientado. E se, além de encarar tal dívida, parássemos em 2021 para perguntar qual seria o déficit atuarial total dos regimes próprios dos três tipos de entes a encarar à frente? Resposta: R$ 5,3 trilhões. É mole?

Ou seja, sem qualquer ajuste nas contas previdenciárias, e se olhássemos para a frente, o que enxergaríamos? Na verdade, estaríamos praticamente dobrando a dívida pública herdada da fase precedente. Sendo que a previdenciária teria muito maior grau de exigibilidade, por se tratar de pagamento de benefícios em data certa, mês a mês, sob pena de os beneficiários promoverem quebradeiras em agências bancárias, como já ocorreu antes. Dar calote nela? Nem pensar...





Assim, sem arrumar essa situação, acabará sobrando quase nada nos orçamentos para investir em infraestrutura, o que levará o PIB e os empregos a crescerem muito pouco, algo que, realmente, é de se lamentar, em um país da dimensão gigantesca do nosso, e com tantas carências. – A própria Constituição, na EC-103/19, já não havia instituído a obrigação de se fazer o correto (isto é, zerar os passivos atuariais, desde então)? Por que não fizemos isso até agora?

– Ou o que fazer, então? Tratamento de choque? Pelo seu tamanho exagerado, quitar toda a dívida previdenciária de uma vez só, e começar do zero é algo impossível de implementar, mesmo com o montante de ativos de que o setor público dispõe por aí, algo que poderia ajudar muito no processo... A saída é aplicar um tratamento gradual, mais conhecido como “segregação de massas”, mas com aditivos, que surgiu como uma possível solução de transição para a capitalização plena, separando a massa de servidores em dois grupos, 1 e 2. A partir de uma data de corte, para o grupo 1, que é o que acolhe os novos entrantes, a previdência já nascerá equilibrada, pois os benefícios futuros poderão ser calculados na exata proporção do que ocorrer com as contribuições, dali redirecionadas para os intermediários financeiros adequados, e que já adotaria regras de benefícios próximas das mais atualizadas (conforme a EC 103/19) que já são praticadas pela União. Os demais estarão no 2, que se extinguirá aos poucos.

O grande drama é como cobrir o chamado “custo de transição”, que é a parte relativa às contribuições dos novos, que não virá mais para o 2, pois será aplicada para cobrir, à frente, os benefícios futuros dos que estão no grupo 1. A saída é talvez fazer algo fora da rotina atual: por um período limitado, em vez de o dinheiro vir do 1 para ajudar o 2, as mesmas pessoas que seriam cobertas pelo dinheiro acumulado no 1 fariam o caminho inverso, isto é, iriam para o terreiro daquele buscar cobertura em suas disponibilidades possíveis. Especialistas chamam isso de “transferência dinâmica de vidas”. Ali, o ente público em causa inclusive aportaria ativos relevantes de que disponha (como os Royalties do Petróleo, que podem gerar, ao todo, R$ 3,4 trilhões),  para reforçar a cobertura do terreiro. E, finalmente, para fechar a conta, seu gestor aprovaria a legislação necessária a usar parte dos recursos financeiros acumulados no fundo receptor (grupo 1) então em excesso no curto prazo relativamente à missão de cobrir necessidades futuras de pagamentos de benefícios desse mesmo fundo, tirando-o das costas do tesouro do ente. Para completar, se aprovaria a antecipação de itens como a parcela do Imposto de Renda Retido na Fonte pelos Servidores previsto para ingressar lá na frente. Ao final desse nada simples processo, a casa, então, poderá ficar arrumada...