Há duas tendências opostas e interligadas que precisam ser revertidas urgentemente na gestão macro do país: uma forte subida dos gastos e dos déficits previdenciários, de um lado, e a resultante desabada dos investimentos públicos em infraestrutura e das taxas de crescimento do PIB, do outro. Só assim dará para garantir que o PIB volte a crescer mais. Continuarei insistindo nas medidas corretas, mas há muita resistência contra isso.
Em 2011-18, os gastos previdenciários municipais cresceram à taxa média real de 12,5% a.a.; os estaduais, a 5,9% a.a. em 2016-18; e os da União, a 3,1% a.a. em 2006-21. Já a resultante desabada da razão agregada investimento público em infraestrutura/PIB foi de não menos que 5,1 para 0,6% do PIB, ou seja, algo quase entre 8 e 9 vezes, entre os 80 e 2022.
Ao mesmo tempo, o crescimento do PIB que, no início dos 80, rodava ao redor de 8,9% a.a., despencou para 1%, marca também muito abaixo da que se via na fase entre os 80 e 90. Aí está: sem disposição privada para substituir a parcela pública da taxa de investimento à altura, quanto menos infraestrutura pública, bem menor o crescimento do PIB, e tudo de ruim que isso implica.
Isso mostra que, reformas de regras, aportes de ativos e outras medidas de ajuste à parte, o grande drama dos regimes de repartição simples ocorre quando o grupo único “envelhece”, isto é, as despesas com os beneficiários se tornam crescentemente maiores que as contribuições, surgindo déficits financeiros crescentes. Seja como for, uma hora ter-se-á que fazer a transição para o regime de capitalização, onde os beneficiários passam a receber em função das contribuições que fazem ou são a eles direcionadas, deixando elas de cobrir as despesas dos mais antigos.
Diante da percepção de que os antigos regimes de repartição simples caminhavam para o esgotamento financeiro e eventuais consequências desastrosas para a gestão pública em causa, em vista da elevada dimensão e predominância dos seus déficits financeiros, dando origem a igualmente elevados déficits atuariais (calculados pela diferença entre o valor presente das despesas e das receitas calculada em uma determinada data, para um certo período total e a uma certa taxa de desconto), cogitou-se da solução que ficou conhecida como “segregação de massas”, vale dizer, a separação da antiga massa de servidores em dois grupos, dando origem a dois fundos.
O primeiro seria um fundo previdenciário capitalizado que, em contraste com o antigo mecanismo de repartição simples e em condições ideais, teria seu início fixado em uma data recente para os servidores admitidos a partir dali, e já nasceria, por construção, equilibrado, pois seus benefícios seriam definidos de forma coerente com a sua cobertura integral pelo resultado da capitalização das contribuições definidas conjuntamente para patrões e empregados, além de outras receitas. Ou seja, já nasceria com um déficit atuarial nulo ou próximo disso.
Já o segundo seria um fundo de repartição simples em extinção (por não mais abrigar novos participantes a partir de uma data de corte que fosse fixada), que receberia os demais servidores cobertos pelas regras em vigor e admitidos até então. E como os benefícios desse plano não teriam sido calculados de forma compatível para serem cobertos integralmente com o produto das receitas definidas anteriormente, ele ostentaria desequilíbrios financeiros e atuariais até seu esgotamento, que variariam conforme o caso específico considerado.
Em resumo, tudo se passaria como se estivesse sendo feita a transição do velho para um novo regime capitalizado e equilibrado, que assumiria o lugar do primeiro. Só que o custo dessa transição, relativamente à situação sem mudança, seria bastante elevado durante um certo período inicial, pois o ente público em causa deixaria de incorporar a seu caixa as receitas relativas às contribuições tanto patronais como provenientes do bolso dos servidores que se deslocariam do regime antigo para o novo. Tais receitas passariam a ser aplicadas por meio do novo fundo previdenciário que fosse criado, para fazer face aos compromissos financeiros vinculados aos participantes daquele.
Diante disso, veio a ideia de se fazer uma “transferência dinâmica de vidas” para inclusive convencer os que aderissem à segregação de massas mais recentemente a não abandonar a solução. Isso se faria pela transferência de pessoas que até então teriam seus benefícios pagos pelo Tesouro do ente público para o Fundo Previdenciário, onde parte dos recursos acumulados seria redirecionada para arcar com esse ônus, embora, ao mesmo tempo, deixasse de prover cobertura a uma parcela de igual valor na composição do equacionamento do Fundo Previdenciário. Ou seja, ao usar dinheiro para cobertura da despesa dos mais idosos, vai faltar dinheiro para cobrir as necessidades lá na frente dos mais novos. Assim, o ente terá de identificar e aportar ativos que, no futuro, façam o mesmo papel que a parcela antes referida e de mesmo valor passou a fazer.